Brasil conquista o “Nobel da Alimentação” com cientista da Embrapa Soja

Com 40 anos de pesquisa e bilhões economizados, Mariangela Hungria é a primeira mulher brasileira a receber o World Food Prize e simboliza o protagonismo da ciência nacional na busca por um agronegócio mais sustentável

Paulo Pandjiarjian
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Imagens: Divulgação

Mariangela Hungria, da Embrapa Soja, foi anunciada como a vencedora do World Food Prize 2025

Mariangela Hungria, da Embrapa Soja, foi anunciada como a vencedora do World Food Prize 2025

A principal premiação internacional na área de segurança alimentar tem, pela primeira vez, uma mulher brasileira entre os agraciados. A pesquisadora Mariangela Hungria, da Embrapa Soja, foi anunciada como a vencedora do World Food Prize 2025, reconhecimento considerado o “Nobel da Alimentação”. A honraria coroa uma trajetória dedicada à sustentabilidade agrícola e à inovação científica, com impacto direto na economia e no meio ambiente.

Com quatro décadas de carreira e atuação destacada em fixação biológica de nitrogênio (FBN), Mariangela é referência mundial no uso de microrganismos para substituir fertilizantes químicos. A tecnologia, hoje amplamente empregada no cultivo da soja, já se estende a culturas como milho, feijão e trigo, consolidando o Brasil como líder em soluções de baixo carbono para o agronegócio.

Segundo estimativas da Embrapa, o uso da FBN gerou, somente na última safra, uma economia de US$ 25 bilhões com fertilizantes importados e evitou a emissão de 230 milhões de toneladas de CO₂ equivalente. “O prêmio reconhece uma ciência que alia produtividade e sustentabilidade. Essa combinação é a única capaz de enfrentar a fome de forma efetiva”, afirmou a pesquisadora em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY.

Graduada pela Esalq/USP, com doutorado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Mariangela ingressou na Embrapa em 1982. Desde 1991, atua na unidade de Londrina (PR), onde conduziu mais de 500 ensaios de campo para validar o uso de inoculantes biológicos em condições tropicais. A resistência inicial à adoção da tecnologia não a desanimou. “Os recursos para pesquisa eram escassos, e os biológicos não eram levados a sério. Persistir nisso foi um exercício diário de confiança.”

Hoje, esse esforço se reflete em mais de 30 milhões de hectares que utilizam microrganismos no país. À frente do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia MicroAgro, a pesquisadora articula uma rede nacional de laboratórios, fortalecendo a soberania científica brasileira em meio a um cenário global marcado por disputas geopolíticas e escassez de insumos agrícolas.

Seu currículo inclui mais de 500 publicações científicas, formação de mais de 100 mestres e doutores e reconhecimento entre os cientistas mais influentes do mundo, segundo ranking da Universidade de Stanford.

Além das conquistas acadêmicas, Mariangela também coleciona vitórias pessoais. “Sou mulher, mãe de duas filhas, uma delas com necessidades especiais. Fiz carreira em um país com instabilidade na pesquisa científica. Sempre diziam que eu era um conjunto improvável de dar certo”, relembra.

A paixão pela ciência começou cedo, ainda na infância. “Minha avó era professora de ciências e me ensinava sobre a terra, o ar, a água. Aos oito anos, li um livro sobre microbiologistas e decidi que queria ser cientista. Mas não da área médica. Eu queria produzir alimentos e combater a fome.”

Com o World Food Prize, Mariangela se junta a nomes como Alisson Paulinelli e Edson Lobato, os dois únicos brasileiros que já haviam recebido a distinção, em 2006. Mas ela imprime uma nova perspectiva. “Enquanto eles representaram uma visão de expansão sobre o cerrado, eu trago uma proposta diferente: recuperar áreas degradadas e aumentar a produtividade sem precisar derrubar mais nenhuma árvore.”

Essa abordagem vem orientando seus projetos mais recentes, como o uso de microrganismos para regenerar pastagens degradadas e aumentar a lotação animal por hectare. A ideia é liberar terras para produção agrícola sem avançar sobre áreas preservadas — uma resposta direta aos desafios contemporâneos de preservação ambiental e aumento da demanda por alimentos. “Se conseguirmos isso, teremos uma verdadeira revolução no uso da terra”, afirma Mariangela. “Esse é meu foco até o fim da carreira.”

A conquista do World Food Prize é mais do que um reconhecimento individual. Ela posiciona o Brasil no centro do debate global sobre segurança alimentar, mudanças climáticas e inovação tecnológica. Também projeta a ciência brasileira como protagonista na construção de um agronegócio competitivo, sustentável e socialmente responsável.

“Receber essa notícia foi uma surpresa imensa. Estar entre os maiores nomes da ciência mundial mostra que vale a pena insistir, mesmo quando tudo parece improvável. A ciência tem esse poder: ela transforma realidades — mesmo começando de um cantinho em Londrina.”

Mariangela Hungria é a prova de que investir em pesquisa é plantar o futuro — e colher soluções que alimentam o mundo.

 

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