A Bauducco, uma das marcas mais tradicionais do setor alimentício brasileiro, tem apostado em uma estratégia de reposicionamento focada na atualização do discurso da marca para acompanhar as transformações sociais, culturais e de consumo dos últimos anos. A empresa, fundada por imigrantes italianos em 1952 e reconhecida pela popularização do panetone no Brasil, mantém como foco a preservação de sua essência, associada à família, receitas caseiras e momentos afetivos, enquanto atualiza sua comunicação e portfólio para dialogar com novas gerações.
Durante o MMA Impact 2025, realizado na metade deste mês, o CEO Andrea Martini e o head de marketing André Britto detalharam o processo de reposicionamento da Bauducco, iniciado em 2021, quando Martini assumiu o cargo. Segundo ele, que já ocupou cargos de liderança na empresa nos anos 1990, o desafio foi acelerar o crescimento com sustentabilidade e consistência, sem romper com o legado da marca.
“Não foi uma revolução, foi uma evolução”, afirmou Martini. “A essência da marca já estava presente: a ideia de família, tradição e receitas italianas. O que fizemos foi reafirmar essa essência e reorganizar a estratégia de marca para comunicar isso de forma clara para dentro e fora da empresa”, disse.
Uma das decisões estratégicas mais importantes foi a adoção do modelo monomarca. Durante sua primeira passagem pela empresa, Martini percebeu que a Bauducco diluía seus esforços de branding ao distribuir recursos entre diversas submarcas. A unificação permitiu concentrar investimentos na construção de uma identidade forte e reconhecível. Foi também nesse momento que surgiram o slogan “Da família Bauducco para a sua família” e a identidade visual amarela, inspirada na embalagem tradicional do panetone.
Já no novo ciclo iniciado em 2021, o foco foi expandir o significado de “família” no discurso institucional. A antiga assinatura deu lugar ao conceito “Bauducco: Sentimento chamado família”, que se propõe a refletir novas formações familiares e vínculos afetivos contemporâneos. Para isso, a companhia recorreu a estudos conduzidos por antropólogos e sociólogos com o objetivo de entender como os consumidores atuais se relacionam com o sentimento de pertencimento.
“Família não é mais apenas o núcleo tradicional de pai, mãe e filhos. Hoje, pode ser um grupo de amigos que mora junto, um casal sem filhos, ou qualquer outra configuração baseada em afeto e cuidado mútuo”, explicou Britto. “Essa expansão do conceito nos permite dialogar com mais gente, de maneira mais verdadeira.”
O termo escolhido para guiar esse processo foi “contemporaneização” – um cuidado semântico que, segundo Britto, reflete a preocupação da marca em se atualizar sem parecer artificial. “Moderno é o que está na moda, e a moda passa. O que queremos é nos manter relevantes sem perder a conexão com o que nos trouxe até aqui.”
A atualização da marca também incluiu uma reestruturação do modelo de comunicação. Tradicionalmente focada em campanhas televisivas – que chegaram a receber até 90% do orçamento de marketing – na Bauducco passou a atuar em um ecossistema mais amplo, incluindo ativações em pontos de venda, eventos proprietários, redes sociais e parcerias com criadores de conteúdo. A ideia é construir experiências de marca que estimulem conexão emocional e afetiva com os consumidores.
“Hoje, o nosso principal KPI (Indicador-Chave de Desempenho, na tradução livre) é o impacto emocional. A campanha ideal é aquela que arranca um sorriso e uma lágrima”, afirma Britto. “Não se trata mais apenas de awareness, mas de criar lembranças que as pessoas queiram carregar com elas.”
A estratégia se apoia em três pilares principais: storytelling verdadeiro, consistência ao longo do tempo e capacidade de evolução. Para Britto, marcas longevas precisam equilibrar o respeito à sua história com disposição para mudar. “Empresas não falham apenas quando fazem coisas erradas. Elas também falham quando insistem no que deu certo no passado, mas deixou de funcionar no presente”, disse
O posicionamento tem como pano de fundo uma agenda de crescimento sustentável, com atenção especial à expansão internacional. A Bauducco já exporta para mais de 50 países, com presença relevante nos Estados Unidos, onde opera com a marca própria e por meio da subsidiária La Panzanella. Segundo Martini, o desafio fora do Brasil é adaptar a proposta de valor aos códigos culturais locais sem perder a autenticidade.
“Não queremos ser uma marca brasileira genérica no exterior. Queremos ser reconhecidos como uma marca que entrega sabor, afeto e momentos especiais, mas com sotaque próprio”, disse o CEO. Nos EUA, por exemplo, o panetone passou a ser comercializado também como ingrediente para receitas, uma adaptação ao hábito de consumo local que abriu novas oportunidades para a categoria.
Além da internacionalização, outro eixo da estratégia de crescimento é a diversificação do portfólio. A Bauducco tem investido em categorias como snacks e biscoitos, buscando ampliar sua participação em momentos de consumo fora do período sazonal do Natal, quando o panetone concentra grande parte das vendas. A marca também passou a investir em inovações de formato e embalagem, como os panetones em versão individual ou em porções menores, voltadas para o consumo diário.
Para sustentar essa expansão, a empresa investe também em inovação industrial e digitalização. Embora não revele números específicos, Martini afirmou que a companhia tem reforçado sua estrutura tecnológica e seus canais diretos com o consumidor. “A digitalização não é só sobre e-commerce. É sobre entender melhor quem é o consumidor, o que ele espera da marca e como podemos atender a essas expectativas de forma mais ágil”, disse.
Mesmo com as transformações, o executivo reforça que a principal vantagem competitiva da Bauducco continua sendo a força emocional de sua marca. “A Bauducco tem um lugar no coração das pessoas. Isso é um ativo que não se constrói da noite para o dia. Nossa missão é cuidar desse vínculo com responsabilidade e visão de futuro”, finalizou.