Henrique Meirelles, 79 anos, tem longa trajetória atuando nos setores público e privado. Quando tinha 39 anos assumiu a presidência do BankBoston Brasil. Em 1996, passou a liderar a instituição em sua sede global, na cidade de Boston. Era a primeira vez que um estrangeiro comandava uma instituição financeira estadunidense de grande porte. Em 2002, finalmente entrou para a política ao ser eleito Deputado Federal por Goiás, mas no ano seguinte se tornou presidente do Banco Central nas duas primeiras gestões de Lula, onde enfrentou a resistência de economistas heterodoxos do PT e a crise econômica internacional de 2008, uma das maiores da história. Voltou ao setor privado, em 2012, responsável pelo conselho consultivo da J&F, controladora da JBS e demais empresas do grupo. Sua função seria levar o Banco Original, instituição financeira do J&F, ao posto de maior banco digital do País. Mas, a política o chamou novamente.
Em 2016, se tornou Ministro da Fazenda no governo Temer, onde ajudou a desenhar o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, mas renunciou antes do fim do mandato para se candidatar à Presidência da República em 2018. Sem ir ao segundo turno, tornou-se Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, que acumulou com a Secretaria do Planejamento, na gestão João Dória. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, de Nova York, onde segue com suas atividades no meio privado, Meirelles falou sobre a situação do Ministro Fernando Haddad, as dificuldades do governo em alcançar o equilíbrio fiscal, a necessidade de uma Reforma Administrativa em âmbito federal, seus planos futuros entre outros pontos. Confira, a seguir:
O atual governo acabou com o teto de gastos que o senhor ajudou a criar durante o governo Temer. No lugar, implementou o arcabouço fiscal. Como o senhor vê essa substituição?
Tem um aspecto negativo que é a maior flexibilidade em permitir gastos desnecessários. Mas, tem o lado positivo de mostrar que o governo se preocupa em cortar gastos, o que é muito importante já que o tom da campanha do presidente Lula em 2022 assustou agentes do mercado com a possibilidade de que poderia ter um descontrole do déficit. Com o arcabouço deixaram claro que existe uma consciência de que é necessária a limitação do déficit primário e que receitas sobre despesas devem ser respeitadas.
Foi na sua gestão de Ministro da Fazenda que foi aprovada a reforma trabalhista. Qual a reforma econômica mais importante que o Brasil necessita hoje?
Hoje seria muito importante a reforma administrativa, mas teria que ser uma eficaz na máquina pública onde se reduziria efetivamente os custos. A reforma que fizemos em São Paulo em 2021, quando eu acumulei os cargos de Secretário da Fazenda e do Planejamento na gestão Dória, gerou um saldo orçamentário de R$ 53 milhões que foi usado em obras durante 2022. Precisa-se pensar na necessidade de eliminar empresas que perderam a finalidade de existir, mas continuam gastando água, luz e outras contas que são pagas pelo Estado. É natural que vai gerar resistência de quem trabalha nelas, além do desgaste político já que muitos deputados fazem indicações para essas empresas. Mas, acredito que executar uma Reforma Administrativa bem-feita é uma maneira de gerar maior orçamento e destinar recursos para programas sociais, por exemplo.
O senhor é natural de Goiás, um dos estados mais adeptos a prática do agronegócio. Muito se fala que é um dos setores mais críticos ao governo Lula. Quais os motivos dessas críticas?
Exatamente pela característica básica do governo Lula de defender o fortalecimento do Estado. O agronegócio é um setor que cresce muito e tem entre seus líderes muitos executivos com pensamentos privatizantes e liberais.
O Ministro Fernando Haddad está em uma situação parecida com a do senhor em 2016 e 2017: titular da Fazenda em um governo que sofre com índices de aprovação. Quais conselhos o senhor daria a ele?
A única solução para o governo Lula é mostrar comprometimento com o controle das despesas. Vejo que ele faz o possível e tenta se equilibrar, mas é atacado por algumas pessoas do mercado e da oposição que dizem que ele quer cortar pouco e da própria ala mais radical do PT, que dizem que ele quer cortar muito. No meu caso tive maior facilidade já que o ex-presidente Michel Temer tinha sido presidente da Câmara e por isso tinha um trânsito melhor no Congresso e Senado, então com ele era mais viável uma capacidade de articulação do que no governo atual.
A principal discussão econômica do momento no Brasil é a queda de braço entre Congresso e Executivo sobre a aprovação do imposto do IOF. O que o senhor pensa sobre essa situação?
O imposto do IOF é regulatório e não arrecadatório, portanto, acredito que não é a medida ideal. Existem outras possibilidades, como mexer no Imposto do Valor Adicionado, por exemplo. Muito se discute sobre mexer no Imposto de Renda, o que também é uma possibilidade, mas o problema é que se você aumenta a isenção do Imposto de Renda e ao mesmo tempo coloca um imposto regulatório, como querem fazer com o IOF, perde sentido.
Seria a hora de reduzir subsídios para as empresas?
Acredito que existem subsídios que poderiam ser diminuídos ou cortados, mas não a completa suspensão deles. A economia brasileira atualmente tem muitas indústrias que são viáveis por causa da isenção fiscal ou subsídios governamentais. É necessário que o governo faça um estudo amplo para saber quais setores poderiam contribuir ao sair da lista de isenção.
O Banco Mundial publicou esta semana o estudo “Dois por Um: Políticas para Atingir Sustentabilidade Fiscal e Ambiental”, onde defende a necessidade de choque fiscal amplo para conter o déficit nas contas do governo. Existe a necessidade de seguir essa cartilha?
O governo precisa olhar o copo cheio e não meio cheio. O País sofre sim com despesas além do necessário e precisa tomar medidas para alcançar o equilíbrio fiscal, mas esse estudo de fato levaria a uma redução dos gastos sociais. É uma questão de opção, mas só pode ser tomada dependendo justamente das outras opções. O que eu garanto é que as despesas devem ser controladas de alguma maneira.
Como o senhor acha que o mercado veria uma possibilidade de reeleição de Lula em 2026?
Existe um erro que é achar que mercado é apenas meia dúzia de executivos da Faria Lima quando se faz essas previsões. Eu considero que o padeiro no interior da Bahia ou mesmo as médias empresas também fazem parte deste grupo, então não podemos uniformizar o que o mercado acharia. Em relação aos bancos, por exemplo, os diretores e CEOs devem pensar apenas na rentabilidade de suas instituições e não ter posições políticas. Existe uma frase do Alan Greenspan, que presidiu o Federal Reserve 1987 a 2006, e que exemplifica essa questão: “A taxa de câmbio existe para controlar a vaidade dos economistas”. Ou seja: é tudo imprevisível.
O senhor aceitaria algum convite para ingressar no governo Lula?
Não tomo decisões baseado em hipóteses. Se tivesse algo concreto, eu analisaria a possibilidade.
Após ser candidato à presidência da República em 2018 e ter o nome ventilado novamente nas eleições de 2022, o senhor tem alguma ambição política em 2026?
Não. A maior parte da minha vida foi no setor privado que é para onde eu voltei e onde estou bem no momento.