Em um país onde 56% da população se declara preta ou parda, ainda soa estranho que grande parte da publicidade ignore esse público. Para Ricardo Silvestre, no entanto, a invisibilidade foi o ponto de partida para uma revolução. Fundador da Black Influence, principal agência da América Latina especializada em conteúdo com foco em diversidade, o paulistano agora avança no propósito com o lançamento da Peji, uma empresa de inteligência segmentada que promete traduzir os códigos de consumo da população negra e gerar impacto real – social e econômico.
Criado na periferia de Guarulhos, filho de empregada doméstica e ajudante geral, Ricardo sempre soube que precisaria lutar dobrado para ocupar espaços. Foi com criatividade e persistência que atravessou os obstáculos: conquistou bolsa integral no curso de Publicidade e Propaganda na FMU via Prouni, fez intercâmbio nos Estados Unidos e, ao voltar ao Brasil, mergulhou no universo das grandes agências. Mas não sem custo: “Era sempre o único negro na equipe, convivendo com o racismo e a pressão. Até que veio o burnout. Ou eu desistia, ou me reinventava”, afirmou.
Ele escolheu a reinvenção
Nasceu ali, em 2019, a Black Influence – um projeto que nasceu sem dinheiro, mas com missão clara: dar protagonismo a vozes negras dentro do mercado de influência e conteúdo. Deu certo. A agência já realizou mais de 500 projetos com mais de 200 clientes e impulsionou a carreira de mais de 600 influenciadores diversos. O faturamento passou de R$ 5 milhões em 2021, e o impacto, segundo Silvestre, é imensurável.
“Temos mais influenciadores do que dentistas no Brasil. O potencial é imenso, mas quando se trata de creators negros, ainda existe preconceito – velado ou não. Muitas marcas só lembram deles em novembro. Nosso trabalho é educar o mercado e mostrar que diversidade gera valor o ano inteiro”, disse.
Esse olhar estratégico, aliado à vivência, faz de Ricardo uma referência no setor. Ele já foi eleito um dos 10 profissionais de comunicação do ano pelo Meio & Mensagem, entrou para o seleto grupo Forbes Under 30, foi listado como uma das 100 pessoas negras mais influentes do mundo pelo MIPAD da ONU e indicado ao Prêmio Caboré em 2022.
Agora, ele aposta suas fichas na Peji. Ao lado de Jaque David, sócia-fundadora, e Ricardo Forli, sócio administrativo, a nova empresa nasce com o objetivo de gerar inteligência de consumo culturalmente conectada à realidade da população negra. “Nosso papel é transformar presença em potência. Não basta incluir, é preciso entender, respeitar e dialogar com esse consumidor”, garantiu Jaque.
Muito além do marketing: é sobre negócios
E há bons motivos para prestar atenção. De acordo com a pesquisa Black Consumers, feita pela Data Makers em parceria com a Black Influence, 61,87% dos consumidores negros afirmam valorizar campanhas com representatividade. E mais: 58,78% consomem mais de marcas que os representam. Com uma renda anual estimada em R$ 1,9 trilhão, a população negra brasileira representa uma das maiores oportunidades de crescimento do mercado nacional.
“Esses consumidores querem mais do que produtos: querem reconhecimento, linguagem, presença e autenticidade. Identificação gera consumo, e consumo movimenta o ponteiro do negócio”, acrescentou Silvestre. “Nossa abordagem é 100% focada em negócios.”
O que faz a Peji?
Diferente de consultorias tradicionais, com metodologias genéricas e eurocentradas, a Peji mergulha fundo na cultura. Combina dados, escuta ativa e curadoria para gerar estratégias sob medida. Os serviços incluem:
- Monitoramento de movimentos de consumo e tendências culturais emergentes;
- Curadoria de oportunidades, conectando marcas a narrativas autênticas;
- Adaptação cultural, com produtos e campanhas alinhados à identidade do público;
- Prototipagem de linguagem, com testes e validação direta com o público-alvo.
“A Peji não cria campanhas, cria entendimento”, resumiu Forli. “Nosso trabalho é traduzir códigos culturais da população negra em ações concretas de negócio.”
Inteligência com impacto social
Além da entrega para marcas, a Peji quer transformar o ecossistema. Parte da receita gerada será revertida em iniciativas de afroempreendedorismo, fortalecendo a circularidade econômica e ampliando o acesso a oportunidades. “Somos fluentes raciais”, disse Jaque. “Sabemos transformar as demandas da população preta em valor estratégico para as empresas.”
Com a Peji, Ricardo Silvestre dá mais um passo na sua missão: fazer da representatividade uma força de mercado – com inteligência, sofisticação e impacto.