“Sem reformas, vamos repetir os erros do passado”, afirma Maílson da Nóbrega

O Brasil pode até evitar uma recessão, mas continuará crescendo pouco. A baixa produtividade e o excesso de burocracia travam o potencial

Paulo Pandjiarjian
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Imagens: Divulgação

Maílson da Nóbrega diz que o agronegócio brasileiro tem uma vantagem momentânea, mas não estrutural

Maílson da Nóbrega diz que o agronegócio brasileiro tem uma vantagem momentânea, mas não estrutural

Com a experiência de quem viveu os bastidores mais críticos da economia brasileira, o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega avalia com franqueza a delicada situação fiscal do País. A trajetória da dívida, a dependência dos juros, a lentidão nas reformas e os riscos globais compõem um quadro que, segundo ele, exige respostas urgentes e corajosas. “A inação custa caro”, diz. Para Nóbrega, o Brasil precisa enfrentar verdades incômodas — ou pagará a conta no médio prazo.

Nascido no sertão da Paraíba, Maílson da Nóbrega tem a autoridade de quem viu de perto o funcionamento do Estado brasileiro — por décadas. Do Banco do Brasil ao Banco Central, e depois como ministro da Fazenda, entre 1988 e 1990, sua trajetória é marcada pela atuação técnica e por um olhar crítico que hoje reverbera em sua análise da conjuntura. Sócio da consultoria Tendências, ele não poupa palavras para definir a atual encruzilhada fiscal do País: “Estamos num caminho perigoso. Se nada for feito, a crise será inevitável.”

O diagnóstico começa pela dívida pública, que pode crescer até 16% em 2025, com mais da metade indexada à taxa básica de juros. Segundo ele, esse é um modelo que apenas alimenta o próprio desequilíbrio. “Quando o juro sobe, a dívida explode. E isso limita a capacidade do governo de agir.”

A sensibilidade da dívida brasileira à Selic — e ao câmbio — cria um ambiente de instabilidade. “Em países desenvolvidos, boa parte da dívida é prefixada, o que dá previsibilidade. Aqui, qualquer variação nos juros se traduz rapidamente em aumento do custo da dívida”, explica. Esse cenário eleva o risco fiscal, afugenta investidores e pressiona ainda mais o orçamento público, que já está comprometido. “Hoje, 96% das despesas primárias da União são obrigatórias. Isso sufoca a capacidade de investimento do Estado.”

Nóbrega também critica a modéstia das metas fiscais do governo. Para 2025, o superávit previsto é de R$ 15 bilhões — um valor que, embora maior que o do ano anterior, ainda está distante do necessário. “Para estabilizar a dívida em relação ao PIB, precisaríamos de algo em torno de 3% do PIB. Estamos falando de um ajuste muito mais robusto.”

Reformas são inevitáveis — com ou sem crise

A “janela de oportunidade” para um ajuste mais estrutural, como citou recentemente a ministra do Planejamento, Simone Tebet, pode vir em 2026. Mas, para Maílson da Nóbrega, o País não deveria esperar a próxima crise para agir. “Infelizmente, o Brasil costuma reformar na marra. É melhor fazer isso com planejamento do que sob pressão.”

As reformas prioritárias, segundo ele, estão claras: uma nova reforma da Previdência, para eliminar privilégios e garantir sustentabilidade; a desvinculação de receitas de gastos em áreas como saúde e educação, que hoje engessam o orçamento; e uma reforma administrativa para modernizar o serviço público. “Sem isso, o Brasil continuará a repetir os erros do passado.”

Ainda assim, Nóbrega reconhece que o custo político das reformas é alto. “É preciso liderança, coragem e capacidade de articulação. As corporações são organizadas e reagem rápido. Já a sociedade, que é quem mais ganha com as reformas, é dispersa e não se mobiliza.” O resultado, segundo ele, é um sistema que privilegia o curto prazo e posterga decisões urgentes.

Ao comentar o cenário externo, o ex-ministro é igualmente direto: o Brasil não está imune ao que acontece lá fora. As tensões geopolíticas, o protecionismo norte-americano e um possível segundo mandato de Donald Trump criam um ambiente de incerteza. “Trump representa um risco real para o comércio global. Se ele dobrar a aposta nas tarifas, todos perdem — inclusive o Brasil.”

Sobre o agronegócio brasileiro, que poderia ganhar espaço com a retaliação chinesa às tarifas dos EUA, ele pondera: “É uma vantagem momentânea, mas não estrutural. Precisamos de estratégias de longo prazo, não de oportunidades pontuais.”

Cortar sem excluir: o equilíbrio entre ajuste e políticas sociais

Ao ser questionado sobre o impacto do ajuste fiscal sobre as políticas sociais, Maílson da Nóbrega é categórico: “É possível preservar os programas essenciais e ainda fazer o ajuste. Mas isso exige inteligência e foco.” Ele cita o Bolsa Família como exemplo de política eficaz e bem focalizada. O desafio está em cortar gastos ineficientes, revisar subsídios e enfrentar interesses estabelecidos. “O ajuste não pode ser cego. Tem que ser estratégico.”

A desaceleração do PIB — com projeções de crescimento abaixo de 2% nos próximos anos — é mais um sinal de alerta. “O Brasil pode até evitar uma recessão técnica, mas continuará crescendo pouco. A baixa produtividade, o excesso de burocracia e a insegurança regulatória travam o nosso potencial.”

Apesar das críticas, o tom da entrevista não é de desalento, mas de responsabilidade. Aos jovens economistas, Nóbrega deixa um conselho direto: preparem-se. “Estudem, leiam, entendam a lógica econômica. E desenvolvam a capacidade de comunicação. O acaso só favorece quem está pronto.”

Na visão do ex-ministro, há tempo para evitar o pior. Mas o tempo está se esgotando. “O Brasil tem um encontro marcado com uma grave crise fiscal. A pergunta é: vamos esperar ela bater à porta ou tomar uma atitude agora?”

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