As bets já dominam a publicidade dos clubes de futebol, com mais de 90% dos 40 clubes das Séries A e B do Campeonato Brasileiro contando com algum patrocínio de casas de apostas – muitos no espaço máster da camisa. Elas também movimentam a economia. São R$ 100 bilhões por ano, segundo especialistas, o equivalente a 1% do PIB brasileiro. Consequentemente, um segmento desse tamanho, que envolve de maneira significativa áreas como tecnologia, finanças, contabilidade e jurídico, também interfere nas transferências de profissionais. A movimentação de recursos humanos está aquecida, em especial entre posições C-Level.
Dados da Michael Page, parte do PageGroup – considerado um dos maiores players mundiais em recrutamento especializado de profissionais – mostram que somente no segundo semestre de 2024, quando o Brasil se preparava para entrar no mercado regulado, houve um aumento de 37% na procura por novas contratações no segmento. A mesma consultoria informa que o pico neste primeiro semestre de 2025 deve ser ainda maior.
Na Ana Gaming, por exemplo, que controla as marcas 7k, Cassino e Vera, o novo CEO da empresa veio de outro mercado.Apesar de ser um exemplo de mudança de segmento, ele avaliou que ainda há uma lacuna significativa na formação de profissionais especializados no ecossistema de apostas, sobretudo em áreas como trading esportivo, compliance regulatório e operação de plataformas.

“Muitos dos talentos estão sendo adaptados de setores adjacentes, como fintechs, streaming e agências digitais. Vejo que esse movimento reflete uma estratégia natural de amadurecimento do setor, que está deixando de ser um nicho para assumir uma postura de grande player do entretenimento, o que exige perfis mais diversos e com bagagem de liderança”, disse Túlio.
Para Guilherme Carmo, que saiu da 99 e passou pela Pepsico antes de assumir o cargo de CFO da EstrelaBet, esse movimento é muito parecido com o que ocorreu em setores como o e-commerce e os neobancos, que foram disruptivos anos atrás.
“Quando surgiram, não existia um ‘profissional de e-commerce’ ou um ‘especialista em banco digital’. As empresas foram formadas com pessoas vindas de diferentes áreas, com repertório, capacidade de gestão e uma mentalidade digital. No setor de apostas, está acontecendo o mesmo”, pontuou Carmo.
“Quando cheguei, trouxe uma bagagem de gestão financeira, governança e estruturação de processos que hoje adapto à realidade de um mercado em formação. Essa diversidade é justamente o que fortalece a operação, porque nos permite escalar com organização e solidez”, acrescentou o executivo, que também é responsável pela área de pessoas da EstrelaBet.
A companhia, uma das principais gamingtechs brasileiras e patrocinadora máster do Criciúma, possui vários executivos provenientes de grandes empresas. Entre eles estão Renan Cavalcanti, Chief Marketing Officer e Chief Experience Officer (ex-Nubank); Lorena Lima, head de Customer Experience (ex-QuintoAndar e General Motors); Douglas Petrocino, diretor de Tecnologia (ex-AB InBev, Wildlife Studios e International Paper); Luan Seixas, head de Growth (ex-Medway, 99/DiDi Global e UOL EdTech); e Victor Blecker, head de Branding (ex-Lacoste, Fisia/Grupo SBF/Nike, Under Armour e Adidas).
Segundo Rafael Borges, CEO da Reals – empresa que patrocina o Milan (ITA) e o Coritiba (PR) –, as mudanças ocorridas no setor também tiveram um impacto direto na dinâmica de contratações.

“No fim do último ano, iniciamos o processo de contratação de 1.500 funcionários, sendo que, em cargos diretivos, possuímos gestores que acumularam passagens por empresas como ESPN, Grupo Globo, Sony Pictures, Linx e FBM Digital Systems”, disse Borges. “É um movimento positivo para a economia, com a abertura de novas oportunidades em um setor promissor e em expansão.”
Patrícia Giovana Souza, analista de RH da Paag – techfin especializada em soluções tecnológicas para o setor iGaming – afirma que a contratação de executivos de outras empresas por parte das bets se deve à profissionalização acelerada do setor.
De acordo com a especialista, com a regulamentação, as empresas precisam se estruturar melhor e trazer lideranças experientes de outros mercados que já lidam com grandes volumes de dados, marketing agressivo e operações complexas.
“Executivos vindos dos setores financeiro, de tecnologia e de entretenimento, por exemplo, já possuem expertise em áreas críticas, como compliance, gestão de risco e engajamento do usuário, o que os torna extremamente valiosos para essa nova fase das bets no Brasil”, analisou.
Com o mercado de contratações aquecido, a concorrência estimula as marcas a disputarem profissionais. É assim que avalia André Baldavira, head de Marketing e Conteúdo da GingaBet.
“Temos alguns concorrentes indiretos, como Netflix, Amazon Prime e Rede Globo, porque, no final do dia, o que estamos fazendo é disputar atenção. Diante disso, o fato de trazer executivos que vêm de fora do mercado se dá justamente pela experiência que eles possuem e por saberem trabalhar com estratégias nesse tipo de mercado”, discorreu.

Diante desse cenário, especialistas indicam que o mercado de bets precisa de programas educacionais, cursos técnicos e especializações, pois o Brasil tem enorme potencial para se tornar um polo de formação de novos profissionais.
Patrícia Giovana Souza aponta que a demanda por profissionais especializados cresceu rapidamente e, por isso, o mercado ainda está em fase de adaptação.
“Como esse é um setor relativamente novo no Brasil, há uma escassez natural de talentos com experiência específica em apostas esportivas. A melhor maneira de formar esses profissionais é investir em treinamentos internos, parcerias com universidades e cursos voltados para áreas-chave, como análise de dados, marketing digital e compliance”, enfatizou.
A executiva frisou ainda que muitas empresas estão trazendo profissionais do exterior para acelerar essa curva de aprendizado e compartilhar conhecimento com as equipes locais.
De acordo com Baldavira, da GingaBet, a capacitação de novos profissionais para o setor passa por uma reestruturação dos cursos técnicos e até das universidades. “A gente não tem cursos universitários que falem sobre apostas ou que formem um profissional para trabalhar nesse setor”, alertou.