Previdência para além da aposentadoria: o plano da Abrapp para ressignificar o setor

Com foco nos 15 milhões de MEIs e trabalhadores informais, nova gestão da entidade quer transformar cultura previdenciária, ampliar cobertura e atrair novos públicos

Fernanda Bompan
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Imagens: Divulgação

Devanir Silva quer virar a página da previdência complementar no Brasil até 2027

Devanir Silva quer virar a página da previdência complementar no Brasil até 2027

No comando da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) até 2027, Devanir Silva quer virar a página da previdência complementar no Brasil. Primeiro presidente profissionalizado eleito na história da associação — cargo que antes era ocupado exclusivamente por dirigentes das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC) —, ele defende uma mudança mais profunda na forma como o setor se comunica, se estrutura e se conecta com os brasileiros.

“O grande projeto da atual gestão da Abrapp é o ressignificar a previdência complementar”, afirmou em entrevista ao BRAZIL ECONOMY.

O plano? Tirar a previdência da “gaveta da aposentadoria” e colocá-la no centro da vida financeira das pessoas. “Precisamos parar de vender aposentadoria. Esse discurso envelheceu. O que está em jogo é garantir uma renda qualificada para o futuro, com autonomia e dignidade”, disse.

Para ele, o atual modelo de previdência complementar ainda reflete um país que já não existe — formal, previsível e com empresas duradouras. “Hoje, as empresas nascem com data de validade. E boa parte da força de trabalho está fora de qualquer cobertura.”

A Abrapp representa cerca de 233 entidades fechadas de previdência, que juntas somam mais de R$ 1,3 trilhão em ativos. A missão, agora, é fazer esse sistema crescer para além das grandes corporações. Devanir Silva aposta nos planos instituídos, em que a contribuição parte do colaborador e não exige que a empresa banque o benefício. O modelo já começa a ser testado em parcerias com plataformas como o iFood, que vai oferecer cobertura previdenciária a motoristas e entregadores com base em microcontribuições por corrida.

A estratégia mira também os mais de 15 milhões de microempreendedores individuais (MEIs), boa parte deles sem qualquer proteção para o futuro. “São pessoas produtivas, que geram renda, mas estão completamente descobertas. Se não fizermos algo agora, daqui a 30 anos teremos milhões dependendo apenas do BPC (Benefício de Prestação Continuada)”, alertou.

Parte da solução, segundo ele, passa por rever a forma como o setor se apresenta. “Falar em entidade fechada afasta. Precisamos ressignificar até o vocabulário”, disse. Para Silva, isso significa deixar de tratar os participantes como clientes e lembrar que eles são, de fato, os donos dos recursos. “Hoje temos quase 1 milhão de pessoas recebendo benefício, com média de R$ 7.200. Isso é inclusão social. Não somos uma gestora de patrimônio, somos um instrumento de proteção.”

Mesmo com peso relevante na economia — o setor representa cerca de 12% do Produto Interno Bruto (PIB) —, a previdência complementar ainda é vista como algo técnico, distante e pouco acessível. A nova gestão quer mudar esse quadro com campanhas educativas, atuação nas escolas e uma frente parlamentar no Congresso. A proposta já tem o apoio de 167 deputados e deve ser formalizada ainda em 2025.

Outra medida em estudo é a criação de um Código de Defesa do Poupador, inspirado no Código de Defesa do Consumidor, para proteger quem decide guardar dinheiro para o longo prazo. Devanir entende que esse projeto é crucial para ampliar a confiança no sistema e combater a ideia de que poupar é um sacrifício. “Poupar não é deixar de viver. É realizar sonhos com mais segurança.”

O desafio é grande. Segundo a Abrapp, 70 milhões de brasileiros em idade ativa estão fora de qualquer tipo de previdência, seja pública ou privada. Enquanto isso, o grosso dos recursos acumulados está parado em títulos públicos, com baixa contribuição para o desenvolvimento. “Estamos com, R$ 730 bilhões investidos no governo. Isso não é saudável nem para o País, nem para os poupadores”, disse.

Na avaliação dele, a Reforma da Previdência feita em 2019 foi importante, mas não suficiente. “Ela foi uma reforma fiscal. Agora precisamos de uma reforma de cobertura, que leve a previdência para o futuro do trabalho, com flexibilidade, portabilidade e linguagem simples.”

O peso das fraudes no INSS

Apesar do otimismo com os novos projetos, Silva reconhece que as fraudes no INSS denunciadas recentemente são um entrave nestes planos para os próximos três anos. “Quando se cria uma percepção de que o sistema público é frágil, ineficiente ou injusto, isso prejudica toda a ideia de poupança de longo prazo”, afirmou.

Uma investigação da Polícia Federal revelou um esquema na instituição que pode ter desviado até R$ 6,3 bilhões de aposentadorias e pensões entre 2019 e 2024. Segundo a PF, associações que prestam serviços a aposentados cadastravam beneficiários indevidamente (com uso de assinaturas falsificadas) para realizar descontos mensais nos valores pagos pelo instituto, sem o conhecimento ou consentimento das vítimas.

Na visão do diretor-presidente da Abrapp, casos recorrentes de benefícios irregulares, aposentadorias concedidas sem base contributiva ou mecanismos de judicialização que driblam os critérios do INSS corroem a confiança no sistema como um todo. “Essas distorções não apenas sobrecarregam os cofres públicos, mas também tiram legitimidade da mensagem que tentamos levar à população: que vale a pena poupar e contribuir”, alertou.

Segundo Silva, enquanto a previdência privada segue normas rigorosas de governança, transparência e sustentabilidade atuarial, parte da população ainda enxerga a previdência como um direito automático — o que, na prática, dificulta qualquer esforço de conscientização e planejamento financeiro de longo prazo.

O ano de 2024 para a previdência privada

Devanir Silva contou ainda que 2024 foi difícil para as entidades fechadas de previdência complementar. “Nas entidades fechadas, 2024 foi um ano muito ruim. Em 2023, tivemos superávit líquido de R$ 14 bilhões. No ano passado, encerramos com um déficit líquido de quase R$ 8,9 bilhões”, disse. “Mas quando você compara esse déficit com o patrimônio total, ele representa apenas 0,7%. Já em abril, boa parte disso foi recuperada. Foi um déficit conjuntural.”

Segundo ele, o desafio está no crescimento do número de participantes. “O chamado estoque está mantido, não estamos perdendo trabalhadores. Mas o fluxo de entrada tem sido tímido, por conta do cenário macroeconômico e da cautela das famílias.”

A associação também pretende continuar expandindo os chamados planos família, voltados a parentes de participantes de fundos fechados. A modalidade cresceu 73% nos últimos três anos e já soma 133 mil pessoas e R$ 2,3 bilhões em reservas. “Eu sempre digo: o exemplo arrasta. Se uma família já tem alguém com previdência, por que não incluir os filhos e netos?”, afirmou Silva, que criou planos para suas filhas e netos desde o nascimento.

Para 2025, a meta é adicionar pelo menos 10% aos resultados atuais. “Se conseguirmos, estaremos bem posicionados”, disse.

Outro desafio do setor é a modernização da governança e da comunicação. “Nosso modelo ainda é muito conservador, criado nos anos 1970. Mas o mundo hoje exige outra velocidade. Temos de buscar o participante, criar os leads, fidelizar. A inteligência artificial tem um efeito enorme nisso”, apontou. A Abrapp criou um curso contínuo, o TEC B.A., para manter os profissionais atualizados com as inovações tecnológicas.

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