Pela primeira vez na história, os gastos previdenciários do Brasil devem ultrapassar a marca de R$ 1 trilhão em 2025. Para conter esse avanço, José Alfaix, economista da Rio Bravo Investimentos e especialista no tema, defende desvincular parte dos benefícios da política de valorização do mínimo, rever aposentadorias especiais e alinhar o sistema à realidade demográfica atual.
“É um feito inédito que rompe a barreira do trilhão e preocupa bastante, porque representa uma parcela muito significativa do orçamento público”, afirma Alfaix. “Do total arrecadado pelo governo – algo em torno de R$ 2,5 trilhões por ano – R$ 1 trilhão vai só para a Previdência. É um volume absurdo”, disse Alfaix ao BRAZIL ECONOMY.
O valor, que representa cerca de metade de toda a despesa primária da União, inclui os pagamentos realizados tanto pelo Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que abrange os trabalhadores formais vinculados ao INSS, quanto pelos regimes próprios de servidores públicos e militares (RPPS e Previdência Militar). Se confirmado este montante, o crescimento dessas despesas será de 12% em relação a 2024, quando alcançou R$ 964,3 bilhões. Esses gastos representam 12,3% do PIB brasileiro, um patamar comparável ao de países com população mais envelhecida, como Itália e França.
O economista explicou que a expansão desses dispêndios está atrelada a uma série de fatores estruturais. Um dos principais motores é a política de valorização do salário mínimo, à qual parte significativa dos benefícios previdenciários é vinculada. Como o salário mínimo tem crescido acima da inflação – cerca de 3% a 4% ao ano –, os benefícios também são reajustados nesse ritmo, o que amplia o custo total da Previdência. Esse movimento se soma ao chamado crescimento vegetativo, ou seja, ao aumento natural no número de beneficiários à medida que a população envelhece.
Estudo “Fronteiras”, conduzido por Alfaix, recentemente divulgado pela Rio Bravo, revela que cada aumento de R$ 1 no salário-mínimo eleva a despesa previdenciária em R$ 420 milhões.
Apesar da gravidade do problema, o especialista esclarece que escândalos recentes de fraudes no INSS, embora alarmantes, não impactam diretamente os cofres públicos, já que as irregularidades estavam relacionadas a descontos indevidos na folha de pagamento dos aposentados, e não ao aumento de benefícios concedidos. “O que aconteceu foi que idosos tiveram deduções em folha para associações e sindicatos que nem sabiam que existiam. Isso é revoltante do ponto de vista ético, mas não aumenta o gasto agregado”, afirmou.
Para conter o avanço das despesas previdenciárias, Alfaix defende mudanças consideradas impopulares, mas necessárias. A principal delas é a desvinculação dos benefícios do salário mínimo. “É muito difícil propor isso, porque parece que você quer tirar dinheiro dos aposentados. Mas, tecnicamente, faz sentido: estamos remunerando pessoas inativas por ganhos de produtividade que não se aplicam mais a elas”, argumentou.
Ele sugere que o reajuste seja feito com base em um índice mais adequado ao perfil de consumo dos idosos, como um INPC ajustado que reflita, por exemplo, o maior peso de medicamentos e menor peso de transporte ou lazer.
O economista também menciona a necessidade de revisar regras especiais de aposentadoria, como aquelas aplicadas a militares, servidores públicos e trabalhadores rurais. “Enquanto o trabalhador urbano se aposenta aos 65 anos, o rural se aposenta aos 60. E, no caso dos militares, muitos ainda se aposentam com salário integral. São distorções que tornam o sistema muito mais caro”, disse. Ele defende equiparar as idades de aposentadoria entre homens e mulheres, já que a expectativa de vida feminina no Brasil é maior que a masculina.
Sobre alternativas internacionais, Alfaix aponta que alguns países optaram por sistemas de capitalização, em que cada trabalhador contribui para a própria aposentadoria. O exemplo mais conhecido – e controverso – é o do Chile, que adotou esse modelo durante o regime militar de Pinochet. No entanto, o sistema falhou em garantir aposentadorias dignas, pois a contribuição média foi subestimada. “É uma ideia que precisa ser muito bem desenhada para funcionar. No Brasil, onde a maior parte da população ganha em torno de R$ 3 mil, é muito difícil pensar em poupança individual sustentada ao longo da vida”, pondera.
Alfaix reconhece que o incentivo à educação financeira e à previdência privada complementar é importante, mas ainda inacessível para grande parte da população brasileira. “A maior previdência é a educação financeira. Mas não adianta cobrar isso das pessoas se elas não têm tempo, renda ou instrução para investir”, disse.