Por trás do ritmo frenético das entregas, das consultas por vídeo e das plataformas de apostas que se multiplicam na tela do celular, está um Brasil que não para de se reinventar. Em março de 2025, o país bateu a marca de 64 milhões de CNPJs registrados, segundo levantamento da BigDataCorp — um salto de 7,72% em relação ao ano anterior. Mas o que realmente chama atenção é o crescimento de 16,11% no número de empresas ativas, impulsionado por uma nova leva de brasileiros que têm apostado no empreendedorismo como porta de entrada (ou de retorno) ao mercado de trabalho.
“Mais do que um dado estatístico, estamos falando de uma mudança estrutural”, afirma Thoran Rodrigues, fundador e CEO da BigDataCorp. “O modelo tradicional de emprego já não é mais referência para muita gente. A pejotização, o avanço dos MEIs e o crescimento da gig economy mostram que o trabalho autônomo formalizado está se tornando a nova norma.”
O retrato do novo empreendedor brasileiro
A fotografia atual do empreendedorismo no país é clara: 88,49% dos CNPJs ativos pertencem a micro e pequenas empresas, sendo que os MEIs sozinhos representam 78,74% — um recorde histórico. A base da pirâmide ganhou protagonismo. É ali, entre entregadores, profissionais da saúde, pequenos comerciantes e prestadores de serviço digital, que está o novo motor da economia brasileira.
Em uma análise feita com exclusividade para a BRAZIL ECONOMY, a BigDataCorp apontou os três setores que mais cresceram no último ano:
1. Apostas e jogos de azar
Com impressionantes 75% de crescimento, esse segmento decolou com a regulamentação das plataformas de apostas online no Brasil. “Esse é um fenômeno recente, mas extremamente impactante. A legalização atraiu não apenas as grandes operadoras, mas toda uma cadeia de serviços — de tecnologia e marketing a meios de pagamento e suporte técnico”, diz Thoran.
2. Transporte de pacotes
Com alta de 41,57%, o setor surfou a onda do e-commerce e da logística sob demanda. “O entregador passou de invisível a protagonista. E agora, formalizado, ele aparece nas estatísticas como empresário”, destaca o executivo.
3. Saúde e bem-estar
Com a digitalização de atendimentos e o aumento da procura por serviços ligados à saúde física e mental, o setor viu um boom. Psicólogos (+31,14%), clínicas ambulatoriais (+28,61%) e fonoaudiólogos (+27,07%) puxaram a fila de novos CNPJs. “O pós-pandemia elevou o cuidado com a saúde a outro patamar”, avalia Thoran.
E tem mais: a fabricação de velas cresceu 28,45% — um daqueles casos curiosos que desafiam explicações diretas. “Esses outliers revelam como o Brasil é múltiplo. Às vezes, uma tendência regional ou uma moda de nicho movimenta milhares de empreendedores”, comenta.
O Brasil que se formaliza na base
Por trás dessa avalanche de novos registros está uma equação que mistura necessidade, oportunidade e desburocratização. Com o processo de abertura de empresa mais ágil e acessível, cada vez mais brasileiros optam por formalizar suas atividades. Muitos são ex-informais que veem no CNPJ a porta para emitir notas fiscais, acessar benefícios previdenciários ou fechar parcerias com empresas.
“Hoje é muito mais fácil abrir um CNPJ do que há cinco anos. Isso, aliado à popularização de plataformas digitais de trabalho, criou o ambiente ideal para a formalização em massa”, afirma Thoran.
Embora o fenômeno seja nacional, ele tem se manifestado com força especial em capitais de médio porte como Recife, Goiânia, Florianópolis e Manaus — cidades que combinam acesso à internet com desafios de empregabilidade. “A interiorização do empreendedorismo é real. E isso exige que as políticas públicas também se descentralizem”, alerta.
Crescer é bom — mas até que ponto?
O avanço do empreendedorismo, no entanto, carrega uma dualidade. De um lado, há mais independência, inovação e dinamismo econômico. Do outro, precarização, insegurança jurídica e alta mortalidade empresarial em nichos saturados.
Thoran é direto: “Nem todo crescimento é sustentável. Setores como o de alimentação por delivery já sofrem com excesso de oferta. É preciso olhar para esses dados com atenção.”
A pejotização, termo que define a contratação de pessoas como empresas prestadoras de serviço, é um dos pilares dessa nova realidade. Entregadores, programadores, consultores, educadores online — todos inseridos num modelo flexível, que muitas vezes mascara relações de subordinação sem as garantias dos vínculos formais.
“É urgente discutir os limites entre autonomia e precarização”, afirma Thoran. “Formalizar é bom, mas sem proteção social, cria-se uma falsa sensação de segurança.”
O futuro é formal — e digital
Mesmo com os desafios, a tendência é de continuidade. A combinação de simplificação tributária, pressão por renda e expansão de plataformas digitais de trabalho deve manter o número de novos CNPJs em alta nos próximos anos.
“Formalizar vai se tornar regra. O desafio agora é garantir que essas empresas não apenas nasçam, mas sobrevivam, cresçam e prosperem”, conclui Thoran Rodrigues. “Só assim essa explosão de empreendedorismo vai se converter em desenvolvimento real para o Brasil.”