O início de 2025 tem marcado um ponto de inflexão no mercado de crédito. Após anos de prudência por parte dos bancos e excesso de otimismo no mercado de capitais, a JiveMauá, gestora com R$ 20 bilhões sob custódia e focada em investimentos alternativos, observa um cenário mais promissor para operações com ativos estressados.
“De forma entusiasmada, temos visto um crescente do nosso pipeline de NPL neste começo de ano”, afirmou Mateus Tessler, sócio e CIO da estratégia de Distressed & Special Situations da casa, ao BRAZIL ECONOMY.
NPL é a sigla em inglês para Non-Performing Loan, o que na tradução para português seria um empréstimo não produtivo. Esse ativo se refere a um empréstimo que está em atraso no pagamento, ou seja, um crédito que deixou de ser favorável ou produtivo para uma instituição financeira que o concedeu.
Segundo o executivo, a JiveMauá desenvolveu duas competências centrais para se diferenciar nesse nicho. A primeira diz respeito a uma capacidade avançada de pesquisa de bens, que permite analisar profundamente o patrimônio dos devedores. A outra abordagem está relacionada à estruturação de crédito, baseada não apenas na capacidade de pagamento, mas, principalmente, na capacidade de recuperação em caso de inadimplência.
“Antes de emprestar para alguém, conhecemos a vida patrimonial dessa pessoa tão bem quanto ela mesma”, explicou Tessler. “A gente não olha só para o fluxo de caixa, mas para o que dá para recuperar se der problema.”
A especialização da gestora em direitos creditórios inadimplentes evoluiu ao longo dos anos. A JiveMauá já operou com carteiras pulverizadas de varejo e middle market, mas hoje foca em créditos mais concentrados e estratégicos – especialmente em setores como agronegócio, infraestrutura e real estate. “O agro, por exemplo, está com uma alavancagem patrimonial três vezes maior do que deveria. As recuperações judiciais mostram isso”, disse o executivo.
Esse novo ciclo de oportunidades se conecta a um movimento regulatório importante. A mudança nas regras do Conselho Monetário Nacional (CMN) sobre provisionamento de crédito está incentivando os bancos a venderem ativos antes mesmo do default. “Agora, um simples pedido de waiver já gera provisão. Isso faz o banco perder valor na carteira sem uma contrapartida financeira e, para evitar esse prejuízo, ele vende o crédito. Isso acelera o mercado secundário”, apontou Tessler.
Com um portfólio de R$ 900 milhões para investir até o fim do ano, a JiveMauá também vê expansão em outras frentes além do NPL. O crédito estruturado — principalmente o chamado capital de transição — tem ganhado espaço nos investimentos da gestora. Esse tipo de operação inclui antecipações de recebíveis, financiamentos para término de obras, bridge equity para projetos de infraestrutura e operações de aquisição e reestruturação de balanço.
“O mercado de capitais estava mais preocupado em evitar que o cliente pagasse imposto do que em estruturar crédito de verdade. Isso abriu espaço para a gente atuar em empresas que não estavam sendo atendidas por ninguém”, disse.
Ao mesmo tempo, a euforia do mercado com produtos isentos, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), os Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e debêntures incentivadas, levou à formação de estruturas de risco/retorno desproporcionais em alguns setores. “Teve empresa que tomou crédito que não devia só porque a estrutura tinha isenção. Isso agora começa a dar problema, e a gente já vê reflexos no nosso pipeline.”
Para Tessler, o atual ciclo não é apenas uma reativação do crédito, mas uma reconfiguração. “Quem vai ocupar os espaços deixados não é só o mercado de capitais. Os bancos também estão voltando, mas com outro apetite. E, no meio disso, o NPL está na dianteira.”
Sobre uma eventual aquisição da carteira de ativos do Banco Master — pauta ventilada pela imprensa recentemente —, o executivo negou qualquer envolvimento. “A gente foi, talvez, a única casa que não recebeu nem uma consulta. Nada”, disse.
Segundo ele, a Jive chegou a analisar ativos da instituição há cerca de quatro anos, mas não avançou. “A gente nunca conseguiu chegar na marcação que eles tinham no banco. De lá para cá, acho que eles desistiram da gente. A verdade é que a gente não via valor”, comentou.
Rentabilidade do quarto fundo
Na área de Distressed & Special Situations, a JiveMauá tem quatros fundos fechados lançados. O quarto, lançado em 2023, mesmo com um terço do portfólio ainda marcado a custo, acumula 15,92% de retorno ao ano desde o início até março, equivalente a 131,96% do CDI. Ele investe em crédito corporate, incluindo carteiras e single-names de créditos inadimplidos, ativos em situações especiais, ativos imobiliários distressed, ações judiciais, direitos creditórios, precatórios, pré-precatórios, outros ativos distressed e ativos oportunísticos.
Questionado sobre a performance, o gestor disse que não comenta retorno parcial. “Nossos fundos são fechados, fazemos capital calls e investimos em estratégias como imóveis ou NPLs, que são, em grande parte, marcados a custo. Só marco ‘contra caixa’ ou quando melhoro o lastro”, explicou.
Segundo ele, olhar a marcação a mercado no meio do caminho é “uma injustiça”, porque a estrutura dos fundos não permite comparações lineares com veículos líquidos. “A minha conta é no final: quanto eu devolvi ao investidor e como isso se compara com o retorno consolidado de outros produtos. No meio do caminho, tem volatilidade. A cota cai porque estou investindo. Depois, vai bonitinha, com picos de recuperação”, afirmou.