Poucas empresas representam tão bem o Brasil no comércio global quanto a Embraer. No ano passado, a companhia registrou o melhor resultado de sua história, com receita de US$ 6,4 bilhões — alta de 21% em relação a 2023. As ações da empresa também decolaram no Ibovespa, com valorização superior a 160%. No mesmo período, o lucro líquido alcançou US$ 352,6 milhões, um impressionante aumento de 114% sobre o ano anterior.
Tudo isso ocorreu em meio a grandes turbulências globais, com troca de governo nos Estados Unidos, desaceleração das principais economias europeias, acirramento da guerra comercial com a China e conflitos armados. Não por acaso, o maior faturamento da história da companhia teve como destaque a área de Defesa & Segurança, com crescimento de 40% no período.
“Tivemos aumento das encomendas de aviões para uso militar em todas as partes do mundo”, afirmou Gomes Neto, em entrevista exclusiva ao Brazil Economy. O executivo está na Embraer desde 2019. Ele veio para conduzir a parte da empresa que não entraria no acordo com a Boeing (aviação executiva e defesa). No fim, teve de desenvolver o plano de ação para reestruturar a companhia após o fracasso da negociação com a Boeing — e em plena pandemia.

Para 2025, a Embraer espera entregar entre 77 e 85 aeronaves na aviação comercial, entre 145 e 155 jatos na aviação executiva e obter um novo recorde de receita, entre US$ 7 bilhões e US$ 7,5 bilhões. Estima-se uma margem Ebit ajustada entre 7,5% e 8,3%, e fluxo de caixa livre ajustado de US$ 200 milhões ou mais.
Nesse contexto de forte crescimento, a Embraer anunciou que prevê investir R$ 20 bilhões até 2030 para atender seu plano de expansão, que inclui aumento da produção de aeronaves, ampliação dos negócios em mercados internacionais e desenvolvimento de tecnologias sustentáveis. No ano passado, a empresa entregou 206 aeronaves.
Em um cenário global marcado por incertezas geopolíticas e desafios logísticos, a Embraer tem conseguido se consolidar como uma das protagonistas da aviação mundial. Depois do recorde de US$ 6,4 bilhões em 2024, a empresa projeta um crescimento ainda mais robusto para 2025, entre US$ 7 bilhões e US$ 7,5 bilhões. O desempenho reflete uma trajetória ascendente iniciada em 2020, quando a empresa estruturou um plano estratégico para superar os impactos da pandemia. “Cada ano superou as expectativas: 2021 foi bom, 2022 e 2023 foram sólidos, e 2024 foi espetacular”, afirmou Gomes Neto.
O investment grade concedido por três agências de rating dos EUA, além da valorização das ações na bolsa brasileira e na americana, reforçam a confiança do mercado. A meta? Alcançar US$ 10 bilhões em receita antes de 2030, impulsionada pelos segmentos de aviação comercial, executiva, defesa e serviços. “O bolo cresce, e todas as fatias se beneficiam”, comparou o executivo.
Desafios no horizonte: geopolítica e cadeias de suprimento
Apesar do otimismo, Gomes Neto não esconde os obstáculos. A geopolítica e as cadeias de suprimentos surgem como os principais entraves. Tarifas comerciais entre EUA e China e a lentidão na recuperação de fornecedores globais exigem gestão ágil. “A cadeia melhorou, mas ainda não está no nível ideal. Trabalhamos para nivelar a produção ao longo do ano”, explicou.
Sobre a tese de que a guerra comercial EUA-China beneficiaria a Embraer, o executivo é categórico: “Nossos aviões não competem com os da Boeing na China. Estamos em segmentos diferentes.” A empresa mantém o foco em mercados estratégicos, como Japão e Europa, onde o E195-E2, carro-chefe da aviação comercial, ganha força com clientes como a ANA (Japão) e a Porter Airlines (Canadá).
eVTOL: a revolução dos céus urbanos
Um dos capítulos mais aguardados da nova fase da Embraer é o projeto eVTOL (aeronave elétrica de decolagem e pouso vertical). Com investimento de R$ 20 bilhões até 2030, a Embraer avança nos testes: um protótipo em escala real está em Gavião Peixoto (SP), aguardando equipamentos para o primeiro voo ainda neste ano. A certificação está prevista para 2027, com produção inicial em Taubaté (SP).
“A estratégia é modular. Montaremos kits no Brasil e faremos a remontagem perto dos clientes, como nos EUA e em São Paulo, onde o transporte urbano é crítico”, detalha Gomes Neto. Com 3.000 cartas de intenção, a expectativa é converter pedidos após os testes. Paralelamente, a subsidiária Atech desenvolve o Vector, sistema de gestão de tráfego aéreo para integrar os eVTOLs ao espaço aéreo tradicional. O eVTOL faz parte de um mercado que pode atingir US$ 30 bilhões até 2030, segundo projeção do Morgan Stanley.

Defesa e aviões executivos
Na divisão de defesa, o KC-390 Millennium brilha. Com 40 unidades vendidas (incluindo Holanda, Áustria e República Tcheca), a Embraer mira contratos na Suécia, Eslováquia e Índia (entre 40 e 80 unidades). “Estamos até dialogando com a Força Aérea dos EUA”, revelou Gomes Neto. A meta é produzir 10 aeronaves por ano até 2030, elevando a participação da divisão — atualmente 15% da receita — em valor absoluto.
Com um backlog recorde de US$ 7,5 bilhões, a divisão de jatos executivos também voa alto. Em 2025, a previsão é entregar entre 140 e 155 unidades (ante 130 em 2024), impulsionada pelos modelos Phenom 300 e Praetor 500/600. “Os EUA seguem como maior mercado, mas o Brasil tem demanda crescente”, destacou o CEO. Investimentos de US$ 150 milhões até 2025 nos EUA e valores ainda maiores no Brasil reforçam a capacidade produtiva.
Sobre o recente anúncio chinês de investir US$ 27 bilhões em biocombustíveis no Brasil, Gomes afirmou estar otimista, mas destacou que a Embraer acompanhará o desenvolvimento do SAF (Combustível Sustentável de Aviação) sem atuação direta em projetos de produção. “Assinamos acordos com fabricantes e pressionamos por políticas públicas. O Brasil pode liderar essa transição”, afirmou. Atualmente, a empresa usa SAF em testes, mas em escala menor do que as companhias aéreas.

Prêmio na França
A performance recorde da Embraer rende resultados no balanço e reconhecimento internacional. A companhia receberá, neste ano, o World Company Award 2025 (WOCA), em evento no Castelo de Château d’Augerville, na França, entre 11 e 15 de junho. Foi na França, no Champs de Mars, que um brasileiro realizou, pela primeira vez, o sonho de voar. “Receber esse reconhecimento, depois de anos de dificuldades com a pandemia e outros desafios, é uma honra e uma motivação para todos nós da Embraer”, disse Gomes Neto. O WOCA 2025 homenageará a Embraer não só por sua resiliência e liderança, mas também por sua gestão exemplar de fatores ambientais, sociais e de governança (ESG).
ENTREVISTA | Francisco Gomes Neto, CEO da Embraer
“O ano de 2024 foi espetacular, mas 2025 será ainda melhor”

Em meio ao melhor momento da Embraer desde a pandemia, Francisco Gomes Neto, CEO da companhia, celebra os resultados recordes de 2024 e projeta um 2025 ainda mais robusto. Com investimentos crescentes, contratos estratégicos e o avanço de projetos inovadores como o eVTOL (veículo elétrico de pouso e decolagem vertical), o executivo afirma que a empresa está pronta para alcançar uma receita de US$ 10 bilhões antes do fim da década.
Na entrevista a seguir, o CEO faz um balanço dos últimos anos, fala sobre os desafios impostos pelo cenário geopolítico e pelas cadeias de suprimento, comenta os impactos da guerra comercial entre China e Estados Unidos e detalha a estratégia da Embraer para crescer de forma sustentável em um mercado global altamente competitivo.
A Embraer acaba de divulgar resultados recordes. Como o senhor avalia esse momento atual da companhia?
O ano de 2024 foi espetacular para a Embraer. Tivemos recordes em receita, lucro operacional e carteira de pedidos, além de termos conquistado três selos de grau de investimento por agências de rating dos Estados Unidos. As ações da empresa se valorizaram fortemente, tanto na B3 quanto na Bolsa de Nova York, muito acima da média do mercado. Mas tudo isso é fruto de um trabalho de longo prazo. Em 2020, logo após a crise, estruturamos um plano estratégico com horizonte até 2025. O objetivo era sair da crise com mais força e sustentabilidade. Desde então, os resultados têm superado as expectativas. Tivemos um bom desempenho em 2021, melhor ainda em 2022 e 2023, e agora, em 2024, batemos recordes.
E quais são as projeções para este ano?
Não posso dar guidance por termos capital aberto. Mas posso comentar o que colocamos no balanço. Nossa projeção para 2025 é ainda mais positiva. Se em 2024 a receita foi de US$ 6,4 bilhões, agora estamos projetando algo entre US$ 7 bilhões e US$ 7,5 bilhões. Temos um potencial real de alcançar US$ 10 bilhões antes do fim da década. E isso sem considerar o impacto da nossa unidade de mobilidade aérea urbana, com o eVTOL, que deve acrescentar ainda mais no futuro. Estamos muito confiantes.
Quais são os principais desafios no curto e médio prazo?
Os principais desafios estão relacionados às questões geopolíticas. Vivemos um momento de incertezas, com tarifas comerciais sendo impostas por grandes potências e uma tensão constante entre Estados Unidos e China. Isso afeta o comércio global. Estamos atentos e trabalhando junto a tomadores de decisão para mitigar riscos. Outro desafio é a cadeia de suprimentos. Apesar de estar melhorando gradualmente desde 2023, ainda não atingiu o nível de performance que desejamos. Temos um programa em andamento para lidar com isso, com foco na estabilização e eficiência da produção.
A guerra comercial entre China e EUA pode abrir espaço para a Embraer ocupar lacunas deixadas por fabricantes americanos, especialmente na China?
Não. Essa tese não se aplica à Embraer. Nossos aviões operam em uma categoria diferente da Boeing, com modelos menores, voltados para rotas regionais. A China continua sendo um mercado muito importante para nós, e queremos voltar a vender mais aviões lá, mas não vemos essa guerra comercial como uma oportunidade direta para ocupar o espaço deixado pelos americanos. Estamos focados em nosso segmento e buscando clientes em várias regiões do mundo.
Essas tensões comerciais impactaram de alguma forma a operação da Embraer nos Estados Unidos?
Até o momento, não tivemos impacto relevante. É importante destacar que entre 40% e 50% do conteúdo dos nossos aviões é americano. Compramos muitos componentes e sistemas dos Estados Unidos, que depois são incorporados aos nossos aviões vendidos no mundo inteiro. Só nos próximos cinco anos, nosso plano prevê a compra de mais de US$ 20 bilhões em equipamentos americanos. Portanto, temos um relacionamento de ganha-ganha muito positivo com os Estados Unidos. E reforçamos essa mensagem com frequência.
E a China? Qual o peso do país no portfólio atual da Embraer?
Hoje, praticamente não compramos nada da China. Nosso foco lá é como mercado consumidor, não fornecedor. O relacionamento comercial com os chineses é importante, mas com outro perfil.
A aviação comercial global passou por mudanças profundas com a pandemia. Esse movimento de retomada ainda influencia os resultados da Embraer?
Sim. O setor sofreu muito, mas a recuperação trouxe novas demandas. Inicialmente, houve uma forte compra de aviões grandes. Mais recentemente, as companhias perceberam a necessidade de complementar suas frotas com aeronaves menores e mais eficientes. Isso beneficiou a nossa família E2, que está muito bem posicionada nesse segmento. Hoje, temos clientes com o E2 operando nos cinco continentes: KLM e Binter na Europa, Azul no Brasil, Porter no Canadá, Sky na Ásia, Royal Jordanian no Oriente Médio e a Mexicana começando agora, além de entregas para a Virgin Australia.
Essa demanda aquecida também pressiona a cadeia de suprimentos?
Sem dúvida. O crescimento da produção não é exclusivo da Embraer. Todo o setor está se expandindo, o que pressiona os fornecedores. Isso causa gargalos em alguns componentes, como motores e sistemas, e exige muito planejamento e resiliência.
Recentemente, a ANA, maior aérea do Japão, fez um pedido de E2. Qual a importância dessa conquista?
É extremamente relevante. A ANA é uma companhia de grande reputação, e sua decisão reforça a qualidade e confiabilidade do nosso produto. Esse tipo de pedido tem efeito multiplicador, pois influencia outras empresas a considerarem o E2 como uma opção viável e moderna.
A visita do presidente Lula ao Japão coincidiu com esse anúncio. A diplomacia tem papel nessas negociações?
Sim, sem dúvida. A diplomacia comercial ajuda a abrir portas e criar ambientes favoráveis aos negócios. Estive presente nessa visita ao Japão, onde o anúncio foi feito oficialmente. É um exemplo de como governo e empresa podem atuar de forma complementar.
Durante a visita do presidente Lula à China, foram anunciados bilhões em investimentos, incluindo SAF (combustível sustentável de aviação). A Embraer participa desses projetos?
Acompanhamos de perto, mas não atuamos diretamente na produção de SAF. Temos interesse, porque usamos esse combustível em testes e acreditamos que o Brasil tem grande potencial para liderar na transição energética da aviação. Já firmamos memorandos de entendimento com potenciais produtores e mantemos um diálogo constante com o setor, mas a Embraer não será fabricante de combustível. Vamos apoiar a cadeia e consumir o produto, dentro do nosso escopo.
O senhor comentou que os números atuais não incluem o eVTOL. Como está o andamento desse projeto?
O projeto está avançando muito bem. Nossa subsidiária Eve já reúne cerca de mil profissionais trabalhando diretamente no desenvolvimento do eVTOL. Temos um protótipo em escala real pronto em Gavião Peixoto, aguardando a chegada de alguns componentes para realizar o primeiro voo ainda neste ano, no segundo semestre. A partir deste ano, começaremos a fabricar protótipos na configuração final, que serão utilizados no processo de certificação da aeronave. A expectativa é certificar o veículo em 2027. Paralelamente, estamos desenvolvendo soluções para gestão de tráfego aéreo com o projeto Vector, da Atech, outra subsidiária da Embraer.
Há planos de produção no Brasil?
Sim, a primeira fábrica será em Taubaté (SP). O eVTOL tem alcance limitado, então faz sentido ter unidades de produção descentralizadas no futuro, em regiões onde houver maior demanda. Mas começaremos por Taubaté.
E como estão os contratos? Já existem pedidos firmes?
Temos hoje mais de 3 mil cartas de intenção de compra. O foco agora é transformar parte delas em pedidos firmes, o que deve se intensificar após o primeiro voo do protótipo. Estamos em conversas avançadas com vários clientes potenciais.