O crescimento de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2025, em comparação com os três últimos meses de 2024, considerado expressivo pelo mercado, parece estar mais para exceção do que para regra. De acordo com Flávio Serrano, economista-chefe do Banco BMG, mais da metade do crescimento veio do setor agrícola, puxado pela safra recorde de soja e outras culturas. Foi sim um “resultado forte”, em sua visão, mas condicionado a fatores conjunturais.
A tendência é que essa composição se mantenha ao longo do ano, com o PIB agropecuário crescendo cerca de 8% e sustentando o avanço total da economia, estimado entre 2% e 2,5%. No entanto, o restante da atividade dá sinais de desaceleração. “A demanda doméstica, que cresceu mais de 5% em 2024, deve avançar no máximo 2% este ano. O crédito também começa a perder força, com inadimplência em alta e juros mais caros para o consumidor final”, disse.
Serrano espera crescimento ainda modesto no segundo trimestre, próximo a 0,5%, mas vê a economia “praticamente parada” no terceiro e quarto trimestres. A percepção já começa a se confirmar nos dados de consumo e crédito, que mostram menor dinamismo.
Apesar da desaceleração da atividade, o mercado de trabalho segue surpreendendo positivamente. A taxa de desemprego de 6,6% registrada no trimestre encerrado em abril deste ano foi a menor para o período desde que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), conforme divulgação feita nesta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), informados na quarta-feira (28) pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), mostram que foram criadas mais de 257 mil vagas em abril – o maior resultado para o mês desde o início da série histórica do Novo Caged, em 2020.
“É um dos maiores desafios para os economistas hoje: entender esse descolamento. Se a desaceleração da atividade se confirmar, é provável que o desemprego comece a subir, mas ainda não há sinal claro disso”, afirmou o economista-chefe do BMG.
Do lado da inflação, o cenário é benigno no curto prazo. O IPCA tem surpreendido positivamente, com ajuda de alimentos e passagens aéreas, que registraram deflação pontual. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), considerado a prévia da inflação oficial do País, subiu 0,36% em maio, conforme o IBGE. Essa foi a menor alta para o mês desde 2020, quando os preços caíram 0,59%.
“A alimentação no domicílio desacelerou mais rápido do que esperávamos. E serviços subjacentes, que são os mais difíceis de controlar, também mostraram melhora na margem. Isso é relevante porque são os preços mais ligados ao mercado de trabalho e à renda”, explicou.
Serrano projeta um IPCA entre 0,20% e 0,35% nos próximos meses, com possível deflação nos alimentos. Mas alerta que parte desse alívio é temporária. “Em julho, as passagens devem voltar a subir com as férias, e a dúvida é se os serviços subjacentes continuarão comportados. A melhora da inflação depende não só dos alimentos, mas principalmente dos serviços, que são mais resistentes a cair”, afirmou.
Nesse contexto, a política monetária do Banco Central deve permanecer em compasso de espera. Serrano mantém a projeção de Selic estável em 14,35% ao ano na reunião de junho, com baixo risco de alta. “Se a atividade e a inflação desacelerarem como esperamos, o BC pode começar a cortar juros no quarto trimestre. Um primeiro corte de 0,25 ponto percentual em dezembro parece factível”, avaliou.
A expectativa do BMG é que a Selic possa encerrar o ciclo de queda por volta de 12% – entre 11,5% e 12,5% –, retirando o que o economista chama de “excesso de aperto monetário”. Ir além disso, no entanto, exigiria uma desaceleração mais intensa da atividade e da inflação. “O desafio será tirar a Selic de 12% para 10%. Esse movimento implica um alívio mais estrutural da política monetária, e não apenas a reversão do aperto exagerado”, pontuou.
No radar, os principais riscos seguem inalterados. O primeiro é o próprio mercado de trabalho, que pode continuar aquecido por mais tempo do que o esperado. “Se isso acontecer, podemos estar errando para baixo a projeção de crescimento e inflação. Esse é o risco que nos manteria em um cenário de juros mais altos por mais tempo”, disse Serrano.
De olho no segundo semestre: o que os investidores devem ficar atentos
A Bolsa brasileira teve um desempenho acima das expectativas no primeiro semestre de 2025, desafiando a lógica tradicional que relaciona juros altos à preferência pela renda fixa. No último dia 20 de maio, por exemplo, o Ibovespa fechou em 140.109 pontos. Foi a primeira vez na história que o índice superou os 140 mil pontos
Para Rogério Mauad, professor de Finanças do Ibmec-SP, esse movimento reflete o comportamento antecipatório do mercado, que já começa a precificar uma possível queda da taxa Selic, mesmo que ela ainda esteja distante no calendário do Banco Central.
Segundo Mauad, o investidor deve acompanhar atentamente os próximos comunicados do Copom. Esses documentos sinalizam como a autoridade monetária enxerga a trajetória da inflação e o espaço para iniciar um ciclo de cortes de juros, o que deve ocorrer apenas em 2026. O cenário-base do Focus projeta a Selic em 14,75% no fim deste ano, com queda para 12,50% no ano que vem. A retomada dos cortes, porém, depende da convergência da inflação para dentro da meta, algo que ainda não aconteceu – o IPCA projetado para 2025 está em 5,5%, acima do teto da meta, que é de 4,5%.
Na visão do professor, o comportamento da Bolsa no segundo semestre também pode destravar uma nova janela de ofertas públicas iniciais de ações. “Se a alta do Ibovespa se sustentar, é provável que vejamos uma nova safra de IPOs. Muitas empresas estão à espera de uma maré favorável para abrir capital”, afirmou Mauad. Há quase três anos o mercado brasileiro não recebe uma nova empresa listada, e uma nova rodada de ofertas poderia atrair capital fresco para a renda variável.
Além do cenário doméstico, o ambiente internacional também deve estar no radar dos investidores. A política de juros dos Estados Unidos, conduzida pelo Federal Reserve, será uma das principais variáveis macroeconômicas do semestre. Mauad acredita que, apesar da cautela do Fed, a autoridade monetária americana poderá manter o ciclo de cortes, especialmente se o risco de estagflação (inflação combinada com estagnação econômica) não se concretizar. Se os juros americanos recuarem, o Brasil pode ser beneficiado com uma maior entrada de recursos estrangeiros, já que o país ainda oferece prêmios elevados.
Outro ponto de atenção envolve a instabilidade nas políticas comerciais dos Estados Unidos. Com a possibilidade de Donald Trump voltar à presidência, o mercado acompanha com incerteza as propostas de aumento de tarifas de importação. Para Mauad, esse comportamento oscilante pode afetar o cenário inflacionário global e limitar o espaço para cortes de juros no país norte-americano, com impacto indireto sobre os mercados emergentes.
O professor também aponta que mudanças recentes na alíquota do Imposto em Operações Financeiras (IOF), anunciadas recentemente pelo governo brasileiro, trouxeram alguma apreensão. Embora ainda seja cedo para medir os efeitos sobre o fluxo de capitais, há um risco de desincentivo aos investimentos estrangeiros, sobretudo se a medida for interpretada como um aumento do custo para aplicar e retirar recursos do Brasil.
Na avaliação de Mauad, os próximos meses exigirão atenção redobrada dos investidores a essas variáveis macroeconômicas, tanto no Brasil quanto no exterior. A combinação de juros elevados, expectativas inflacionárias ainda fora da meta e incertezas no cenário internacional compõem um ambiente que pode mudar rapidamente. “O mercado é movido por expectativas. E quem conseguir interpretá-las com antecedência tem mais chances de tomar boas decisões”, afirmou o professor.