Com mercados globais cada vez mais voláteis e particularidades únicas do agronegócio, as instituições financeiras enfrentam o desafio de revisar suas políticas de crédito para equilibrar risco e oportunidade. Nesse cenário, a Inteligência Artificial (IA) surge como uma ferramenta estratégica para aumentar a eficiência do setor.
A análise de crédito tradicional, que pode ser burocrática e baseada em processos manuais, mostra-se inadequada para a velocidade que o agronegócio moderno demanda. Enquanto isso, a digitalização acelerada do setor — que vai de maquinário conectado a marketplaces digitais — cria um paradoxo: dados abundantes, mas subutilizados na tomada de decisão. É aqui que a IA redefine as regras do jogo.
Imagine ter que ler um livro inteiro de 50 páginas só para encontrar informações necessárias para a avaliação de crédito, como a titularidade de um imóvel. Com a tecnologia, isso pode ser feito em minutos, de maneira mais eficiente e segura, identificando riscos e oportunidades que poderiam passar despercebidos.
Plataformas avançadas já automatizam a extração de indicadores financeiros e cruzam dados de balanços patrimoniais com registros ambientais, por exemplo, garantindo conformidade com práticas ESG. A tecnologia tem capacidade para reduzir em até 60% o tempo de análise de documentos complexos, como matrículas rurais. Mais que velocidade, a tecnologia traz precisão: algoritmos especializados identificam padrões em balanços patrimoniais, calculam indicadores de liquidez e alavancagem em minutos e sinalizam riscos que escapariam à análise humana convencional.
O maior diferencial, porém, está na personalização. Sistemas inteligentes permitem criar políticas de crédito dinâmicas, adaptadas a cada tipo de cultura, região e porte de produtor. Enquanto um pequeno agricultor familiar precisa de análise simplificada e rápida, uma trading global demanda avaliações cruzadas com dados de mercado internacionais.
Na prática, a IA torna o crédito mais democrático. O Banco Mundial estima que tecnologias digitais podem incluir 1,2 milhão de pequenos produtores no sistema financeiro até 2026. Com o avanço da tecnologia, pequenos e médios produtores — que antes poderiam ser excluídos por falta de histórico financeiro — podem comprovar capacidade de pagamento por meio de dados operacionais em tempo real. As cooperativas, por sua vez, ganham agilidade para decidir na janela estreita do plantio. E todo o ecossistema se beneficia da redução da inadimplência. Dados do Banco Central revelam que a inadimplência média no crédito rural atingiu 5,1% em 2023, enquanto as operações que utilizam análise preditiva com IA registraram índices de apenas 2,3%, segundo a Febraban.
O Ministério da Agricultura projeta que 70% das operações de crédito rural utilizarão algum tipo de IA até 2027, o que nos coloca diante de uma mudança de paradigma. O crédito rural deixa de ser obstáculo para se tornar alavanca — capaz de impulsionar a safra brasileira sem descuidar da sustentabilidade financeira. O futuro já chegou ao campo, e ele deve ser ágil, preciso e, acima de tudo, acessível até para os menores produtores.
*Leonardo Rodovalho é COO e cofundador da fintech Nagro, especializada em crédito rural