As principais casas de análise dos Estados Unidos elevaram a probabilidade de uma recessão no país, especialmente após o anúncio de uma nova política tarifária por Donald Trump. Em apenas uma semana, o Goldman Sachs aumentou sua estimativa de risco de recessão de 35% para 45%. Já os economistas do JP Morgan projetam uma chance ainda maior, de 60%. Essa incerteza tem provocado quedas nas bolsas de valores ao redor do mundo. A grande dúvida é: caso a recessão se concretize, como a atividade econômica global vai responder? E o Brasil, corre risco?
O economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, explica que, embora já tenhamos nossos próprios desafios a enfrentar, o Brasil não tem, neste momento, um risco de piora rápida de sua atividade econômica devido à deterioração norte-americana.
Na visão dele, algumas medidas anunciadas recentemente pelo governo podem sustentar a demanda doméstica no curto prazo. Entre elas está a liberação de saldos do FGTS para trabalhadores demitidos entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2025 que haviam optado pelo “saque-aniversário”. A operação envolve um montante de R$ 12 bilhões. Além disso, ele cita a injeção adicional de recursos ao programa “Minha Casa, Minha Vida”, totalizando cerca de R$ 18 bilhões, e a criação do “Crédito do Trabalhador”, o novo modelo de empréstimo consignado para trabalhadores do setor privado, inclusive rurais e domésticos, cujo impacto deve ocorrer a partir do terceiro trimestre.
Neste cenário, a projeção da XP é de que o Produto Interno Bruto (PIB) avance 2,3%, um percentual maior do que o estimado pelos mesmos especialistas no relatório divulgado em março, de 2%. Para 2026, a projeção também subiu de 1% para 1,5%, já incorporando os “prováveis” efeitos da isenção do Imposto de Renda Pessoa Física para quem recebe até R$ 5 mil por mês.
No mais recente Relatório Focus, divulgado pelo Banco Central (BC), a expectativa do mercado é de que o PIB avance 1,97% em 2025 e 1,60% em 2026.
Apesar das projeções positivas para o crescimento, a inflação segue como um desafio. “Há um outro lado dessa história, que é a persistência da inflação em patamares elevados, mesmo com a taxa de juros em níveis historicamente altos”, avalia Margato.
A XP projeta um IPCA de 6% para 2025 e de 4,7% para 2026, acima do teto da meta de inflação estabelecida pelo Banco Central.
Segundo o IBGE, o IPCA-15 — considerado uma prévia da inflação oficial — registrou alta de 0,64% em março, abaixo das expectativas. No entanto, o núcleo da inflação de serviços, que exclui itens voláteis, segue elevado: cerca de 8% na média móvel trimestral dessazonalizada e anualizada, um patamar considerado “preocupante” pela XP.
Diante desse quadro, a corretora projeta que a Selic encerre o ano em 15,5%. “Reconhecemos que há um viés de baixa nessa projeção, mas tudo depende do comportamento do câmbio até a reunião do Copom em maio”, diz Margato.
Caso o risco de recessão global se intensifique, o Comitê de Política Monetária pode optar por interromper o ciclo de alta antes, mantendo a taxa próxima a 15%.
Os riscos existentes para o Brasil
Levando em conta os impactos das tarifas impostas por Donald Trump — de 10% ao Brasil —, Margato concorda que é uma “pimenta” para os desafios que enfrentamos internamente. Segundo ele, em termos absolutos, o chamado “tarifaço” é negativo para o Brasil, mas, em termos relativos, os impactos podem ser mais brandos.
O economista da XP afirma que existem dois canais de contágio. O primeiro deles é uma questão comercial.
Como a representatividade dos Estados Unidos dentro das importações brasileiras representa cerca de 2% do PIB — embora não seja uma exposição desprezível —, isso faz com que as tarifas não prejudiquem nossa balança comercial em comparação com pares internacionais, principalmente os asiáticos. Além disso, a tarifa imposta ao Brasil é a mínima.
“Claro que precisamos ver quais serão as medidas de retaliação. Mas o governo brasileiro parece bem cauteloso neste momento. De qualquer forma, o impacto (da medida) pode ser de 0,2 ponto percentual do PIB, trazendo apenas uma ordem de grandeza”, reflete o especialista.
Margato não descarta impactos microsetoriais, como nas exportações de aço — cuja taxa de 25% imposta pelos EUA já estava em vigor e, portanto, mapeada pelos especialistas — e em produtos como suco de laranja, carne e etanol. “Mas nossa visão é que esses impactos são limitados”, ressalta Margato.
Um segundo canal de contágio da política tarifária para o Brasil seria a deterioração da confiança, do sentimento econômico. A elevação brutal da incerteza leva à postergação da decisão de investimentos por parte dos empresários e à redução do ingresso de investimentos estrangeiros.
“Se a gente caminha para um mundo com recessão e aversão ao risco elevada, isso pesa mais em economias emergentes como o Brasil”, disse. Os efeitos negativos, assim, atingiriam todos os setores, com maior impacto em Óleo e Gás e em empresas voltadas a bens de capital e bens de consumo duráveis, devido à menor demanda por máquinas e equipamentos.
Commodities sob pressão
Ao mesmo tempo, uma recessão dos Estados Unidos poderia levar a uma desaceleração — ou até a uma recessão — global, cujos efeitos poderiam se refletir na queda da cotação internacional das commodities, prejudicando, assim, a corrente de comércio do Brasil. Algo que já está acontecendo.
Exemplo disso é que os preços do petróleo Brent já recuaram 14% nos primeiros dias de abril até o dia 7, passando de US$ 74,74 para US$ 64,21 por barril. Na própria segunda-feira, chegou a atingir o menor patamar em quatro anos.
“O petróleo bruto vem ganhando relevância nas nossas exportações. Se você tem uma queda persistente no barril de petróleo, abaixo de R$ 65 o Brent, isso tem implicações do lado comercial e fiscal, com as receitas do governo”, aponta o economista da XP.
De acordo com relatório da corretora, o preço de R$ 65 do petróleo Brent, contra uma cotação de R$ 75 no cenário-base, pode levar a uma perda de arrecadação para o governo brasileiro da ordem de R$ 15 bilhões, além de reduzir a balança comercial em cerca de R$ 5 bilhões (próximo a R$ 30 bilhões).
“É um risco para o Brasil oriundo das tarifas, mas é um risco indireto, via recessão ou desaceleração global”, conclui Margato.