Desde que o dólar bateu a casa dos R$ 6 pela primeira vez na história, em novembro do ano passado, os dias de uma cotação a R$ 4 parecem ter ficado no passado. Neste começo de 2025, com as incertezas geradas principalmente pela política tarifária do governo dos Estados Unidos, a volatilidade do mercado de câmbio ganhou ainda mais força. Esse cenário é desafiador tanto para a política monetária brasileira quanto para as empresas.
Na última terça-feira (09/04), o dólar fechou cotado a R$ 6,0109, após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, elevar as tarifas sobre as importações chinesas para 104%. Como resposta, o governo chinês anunciou uma tarifa adicional de 50% sobre as importações americanas, o que levou a taxa total a 84%.
No dia seguinte, Trump elevou a taxação para a China a 125% e pausou a vigência dos 10% impostos no começo de abril para os demais países. Essa medida agradou o mercado. O dólar, que estava na casa dos R$ 6 pela manhã, caiu mais de 2% e fechou cotado a R$ 5,8320. O Ibovespa, por sua vez, terminou a sessão com uma forte alta de 3,12%, aos 127.795 pontos, em linha com o mercado internacional. A Nasdaq, por exemplo, subiu 12% e teve seu melhor pregão desde 2001. O S&P 500 disparou 9,52% e o Dow Jones, 7,87%.
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, explica que o quadro atual é de muita incerteza, não sendo possível saber qual rumo o câmbio irá tomar. “Na semana passada, depois do anúncio feito por Trump das novas tarifas comerciais, o dólar Ptax encerrou a R$ 5,60. No dia 8, chegou até a ultrapassar os R$ 6 e, no dia 9, à tarde, chegou a R$ 5,87. Dessa forma, em um momento de extrema incerteza, não é possível falar em estabilidade nem saber qual é a tendência”, disse.
“É um momento difícil para traçar previsões. A variável-chave é o dólar e a reação dos demais países à política tarifária dos Estados Unidos”, afirmou o economista e professor da PUC-SP, Antônio Corrêa de Lacerda. Na visão dele, esse cenário traz desafios adicionais para o mundo todo. “O mundo já vivenciou isso há 90 anos, quando os Estados Unidos elevaram as taxas de forma unilateral e provocaram uma recessão global”, lembrou.
No aspecto macroeconômico, como o câmbio faz parte da inflação de custos, um aumento da cotação do dólar traz ainda mais pressão sobre os preços, já elevados no Brasil. O IPCA, que é o principal indicador de inflação do país, acumulado em 12 meses até fevereiro, está em 5,06%, fora do centro da meta, que é de 3%, podendo variar de 1,50% a 4,50%. A estimativa do mercado, segundo o relatório Focus, é de que o indicador termine 2025 em 5,65%.
Em um ambiente de inflação ainda mais distante do ideal, o Banco Central (BC) teria que elevar a taxa de juros, a Selic, que já está em patamar elevado: 14,25% ao ano. A estimativa do mercado é que a Selic feche 2025 em 15% ao ano. “A melhor coisa que o Banco Central pode fazer agora é esperar para ver o que vai acontecer, para não tomar decisões precipitadas”, sugeriu Lacerda.
Laércio Hypolito, sócio da OnField Investimentos, comenta que a sinalização, neste momento, é que o Banco Central promova um novo aumento da Selic na próxima reunião, que acontece em maio, e, a partir do final do primeiro semestre, comece a reduzir a taxa. “No entanto, uma guerra comercial pode provocar uma recessão global e, assim, estímulos econômicos precisarão ser dados pelos diversos bancos centrais. Com isso, esse ciclo de baixa de juros aqui no Brasil pode até se iniciar antes ou ser menor do que os 12,50% projetados pelo mercado para 2026, segundo o mais recente relatório Focus.”
Quanto ao câmbio, Hypolito concorda que é difícil prever a tendência. “O que é certo é que, sem um acordo entre EUA, União Europeia e China, a volatilidade cambial continuará sendo a regra do jogo.”
Desafios para as empresas
A lógica é simples: ambientes macroeconômicos previsíveis — domésticos ou globais — favorecem decisões de investimento. Quando há incertezas, tudo é postergado. Com o dólar instável, prevalece a segunda lógica.
Além disso, a alta do câmbio pressiona os custos. Nesse cenário, restam duas alternativas: repassar o aumento ao consumidor ou absorver o impacto — o que nem sempre é viável.
“No meu setor, que utiliza tecnologia e componentes importados, a alta cambial pressiona os custos operacionais, reduz margens e pode exigir reposicionamento de preços”, confirmou Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio.
Pedro Ros, CEO da Referência Capital, diz ainda que o dólar beirando os R$ 6 pressiona os custos de combustíveis, alimentos e produtos importados, elevando a inflação. Isso impacta setores como logística, agronegócio e indústria.
“Mesmo que alguns setores se beneficiem pontualmente da alta do dólar, como exportadores, é preciso lembrar que a economia brasileira é altamente dependente de insumos importados. A vantagem competitiva obtida nas exportações pode ser anulada por custos operacionais inflacionados. O equilíbrio é frágil, e o país precisa pensar em estratégias de médio e longo prazo para reduzir essa vulnerabilidade cambial”, avaliou Theo Braga, CEO da SME New Economy.
João Kepler, CEO da Equity Group, entende que, em momentos de turbulência e instabilidade mundial, “é sim esperado” que o dólar supere os R$ 6, o que preocupa os setores produtivos. “Com a moeda em um patamar elevado, os preços tendem a subir em setores como o de varejo”, afirmou.
Volnei Eyng, CEO da gestora Multiplike, também comenta que o comércio e o setor de bens duráveis sofrem com a disparada do dólar, já que o crédito fica mais caro e as pessoas seguram o consumo. “O real já foi, inclusive, a terceira moeda que mais perdeu valor nos últimos dias. No meu setor, que é o de crédito estruturado para empresas, esse cenário exige muito cuidado. As empresas precisam reforçar os estoques enquanto as coisas não encarecem, reforçar o caixa para ter mais liquidez e repensar o risco nas operações”, disse.
De qualquer forma, Sidney Lima, analista CNPI da Ouro Preto Investimentos, afirma que uma valorização do dólar frente ao real acende um alerta forte para toda a economia brasileira. “Caso essa marca simbólica dos R$ 6 seja rompida, os primeiros setores a sentir o impacto serão os mais dependentes de insumos importados e do câmbio, como combustíveis, alimentos industrializados, medicamentos e tecnologia. A indústria, especialmente a automobilística e a de eletrônicos, tende a repassar parte desses custos ao consumidor, pressionando ainda mais a inflação. Se o cenário externo continuar se amplificando entre EUA e China, com risco de recessão global e fuga de capitais de países emergentes, o dólar pode sim bater novos recordes nominais.”