Mais um resgate estatal questionável? O caso BRB x Banco Master e lições do passado

A questão central reside na legitimidade de utilizar o dinheiro do contribuinte para socorrer quem deliberadamente imputou altos riscos em suas operações

Agostinho Turbian*
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Imagens: Claudio Gatti

Agostinho Turbian é empresário e sócio do Brazil Economy

Agostinho Turbian é empresário e sócio do Brazil Economy

A notícia da potencial aquisição do Banco Master pelo Banco de Brasília (BRB), uma  sociedade de economia mista, que tem o Governo do Distrito Federal como seu maior acionista e que é regida por Estatuto Social próprio, além das Leis nº 4.545/1964 (que dispõe sobre a reestruturação administrativa do Distrito Federal), nº 6.404/1976 (Lei das S.A.s), nº 13.303/2016 (Lei das Estatais), reacendeu um debate complexo e delicado sobre a ética do uso de recursos públicos para “salvar” instituições financeiras privadas em dificuldades.

A questão central reside na legitimidade de utilizar o dinheiro do contribuinte, destinado ao bem comum e ao desenvolvimento socioeconômico, para socorrer uma entidade que, em princípio, opera sob as lógicas do mercado e da livre concorrência e que, deliberadamente, imputou altos riscos e alavancagens em suas operações. Analisar essa questão à luz dos princípios da administração pública, da experiência pregressa de casos similares como as conduzidas pelo Banco do Brasil e pela Caixa, e as alternativas regulatórias existentes, revela uma área cinzenta repleta de dilemas éticos e alguns potenciais riscos.

Inicialmente, sob uma análise meramente ética, exige-se uma distinção clara entre as operações de mercado conduzidas por bancos públicos e aquelas que configuram, na aparência, um resgate financeiro. A compra da carteira de financiamento de veículos do Banco Votorantim pelo Banco do Brasil, em 2009, representou uma decisão estratégica de expansão de mercado para o banco estatal. O BB adquiriu um ativo específico com potencial de geração de valor e sinergias, inserindo-se em uma lógica de investimento e crescimento orgânico.

Já a Caixa Econômica Federal, por sua vez, ao adquirir o controle do Banco Panamericano em 2010, agiu em um contexto de grave crise financeira da instituição privada, motivada, em parte, pela preocupação com a estabilidade do sistema financeiro e a proteção dos correntistas da instituição. No entanto, a Caixa acabou por arcar com prejuízos significativos devido à dimensão dos problemas encontrados no banco adquirido. Essa operação serve como um alerta para os riscos envolvidos na aquisição de instituições em dificuldades financeiras.

O caso do BRB e Banco Master parece guardar semelhanças com a situação da Caixa X Panamericano, dado o contexto de dificuldades financeiras já reportadas pela instituição privada. Isso eleva a necessidade de uma due diligence rigorosa por parte do BRB, para identificar e mitigar potenciais riscos e passivos ocultos. Diferentemente da compra da carteira do Votorantim pelo BB, que era uma aquisição de ativos específicos com um objetivo claro de expansão de mercado, a aquisição do Banco Master envolve a absorção de partes da instituição que podem trazer desafios para a gestão do BRB.

Surge, então, a primeira questão ética fundamental: qual seria o interesse público primário que justificaria o aporte de recursos do BRB, um banco com sua própria missão de desenvolvimento regional, para solucionar os problemas de uma instituição privada?

A comparação entre o caso BRB-Banco Master e a problemática aquisição do Panamericano pela Caixa Econômica Federal se revela inquietante, dada a similaridade no contexto de fragilidade financeira na instituição privada alvo. Essa analogia eleva a urgência de uma due diligence por parte do BRB, com o objetivo de quantificar os potenciais riscos e passivos ocultos que o Master pode carregar.

Ao contrário da aquisição de ativos do Votorantim pelo Banco do Brasil, motivada por uma estratégia clara de expansão de mercado, a absorção de parcelas do Banco Master pelo BRB implica a internalização de uma complexa estrutura que pode se revelar um fardo significativo para a gestão e a estabilidade do banco público. Diante desse cenário, a questão ética clama por uma resposta: qual interesse público fundamental justificaria o direcionamento de recursos de uma instituição com a missão precípua de impulsionar o desenvolvimento regional para solucionar as mazelas financeiras de uma entidade privada com atuação em âmbito nacional?

A retórica da direção do BRB em torno de sinergias operacionais e estratégicas, de um suposto salto na competitividade e de uma ambição expansionista nacional soa, no mínimo, questionável. Diante da missão primordial do BRB, explicitamente voltada para o desenvolvimento econômico e social do Distrito Federal e sua área de influência, essa repentina guinada para uma estratégia de alcance nacional não seria, em si, o primeiro e mais evidente sinal de uma operação, no mínimo, atípica? Mais grave ainda, a destinação de recursos significativos de uma instituição pública para a aquisição de um banco de atuação nacional notoriamente em dificuldades não escancara um desvio de foco e de sua razão de ser estatutária?

A ética de priorizar o problemático “salvamento” de uma entidade privada em detrimento de investimentos diretos e urgentes nas necessidades da população e no desenvolvimento da região que o BRB deveria servir é, para dizer o mínimo, profundamente duvidosa e merece o mais rigoroso escrutínio.

A alegação de evitar um colapso sistêmico ou proteger muitos correntistas emerge como possível justificativa, contudo, impõe-se uma análise técnica rigorosa. É imprescindível quantificar e qualificar a real magnitude do Banco Master dentro do sistema financeiro nacional e a extensão de sua interconexão com outras instituições. A mera alegação de risco sistêmico não se sustenta sem evidências concretas que demonstrem a probabilidade de um efeito cascata prejudicial à estabilidade macroeconômica.

Nesse sentido, torna-se imperativo avaliar se os mecanismos regulatórios existentes, como as ferramentas de supervisão e intervenção do Banco Central, bem como a atuação do Fundo Garantidor de Créditos (FGC), não seriam suficientes e mais adequados para mitigar eventuais dificuldades do Banco Master, sem a necessidade de um dispendioso e potencialmente arriscado aporte de recursos de um banco público. A decisão de utilizar o BRB como “solução” exige uma demonstração inequívoca da insuficiência das vias regulatórias padrão e da real dimensão do risco sistêmico envolvido, sob pena de configurar uma medida desproporcional e eticamente questionável.

A ética do uso de dinheiro público para resgatar entidades privadas é intrinsecamente ligada ao princípio da economicidade e da eficiência na gestão dos recursos públicos. A Lei das Estatais (vide Quadro 1), impõe rigorosos critérios para operações envolvendo estatais, visando garantir o melhor uso do dinheiro do contribuinte. Uma aquisição que não demonstre um claro benefício estratégico, financeiro e social para o BRB, e que se assemelhe mais a um “salvamento” com potencial de gerar prejuízos futuros, afronta esses princípios éticos e legais. A opacidade na negociação, a falta de uma due diligence transparente e a ausência de uma justificativa robusta de interesse público intensificam as preocupações éticas.

Por que não deixar o mercado resolver a questão das dificuldades do Banco Master? Em um sistema capitalista, a falência de empresas, inclusive instituições financeiras, é um mecanismo de depuração e realocação de recursos. Bancos privados operam sob o risco inerente à atividade financeira e devem arcar com as consequências de suas decisões de gestão e de mercado. A intervenção estatal para evitar essa falência cria um precedente perigoso de moral hazard, onde outras instituições podem se sentir incentivadas a assumir riscos excessivos, contando com um eventual resgate com dinheiro público.

Ademais, o Banco Central do Brasil possui um robusto arcabouço regulatório e mecanismos de intervenção para lidar com instituições financeiras em dificuldades. A intervenção administrativa, a instauração de um Regime de Administração Especial Temporária (RAET) ou até mesmo a liquidação extrajudicial são instrumentos desenhados para proteger o sistema financeiro e os depositantes sem necessariamente envolver o aporte direto de recursos de outro banco público. Esses mecanismos permitem uma análise aprofundada da situação da instituição, a busca por soluções de mercado (como a venda para outros players privados) ou uma saída ordenada que minimize o impacto no sistema e nos correntistas, com o eventual acionamento do Fundo Garantidor de Créditos (FGC) dentro de seus limites de atuação.

O argumento de que a aquisição pelo BRB seria uma solução mais rápida ou menos traumática para o sistema deve ser cuidadosamente ponderado em relação aos custos e aos riscos assumidos pelo banco público e, consequentemente, pela sociedade. A utilização de recursos do BRB para cobrir eventuais passivos ou deficiências do Banco Master representa uma transferência de risco para o setor público, que poderia ter sido evitada ou mitigada através dos mecanismos regulatórios existentes.

Em conclusão, a ética da potencial aquisição do Banco Master pelo BRB é complexa e multifacetada. Embora existam precedentes de operações envolvendo bancos públicos e privados, a linha entre uma decisão estratégica de mercado e um resgate com dinheiro público é tênue e exige uma análise rigorosa. A utilização de recursos de um banco estatal para “salvar” uma instituição privada em dificuldades levanta sérias questões éticas sobre o interesse público primário, a economicidade da operação e o princípio da livre concorrência.

Antes de se concretizar, essa operação deve ser submetida a um escrutínio público rigoroso, com uma justificativa transparente e inequívoca de que os benefícios para a sociedade e para o sistema financeiro superam os riscos e os custos de desviar recursos públicos para uma finalidade que, em princípio, deveria ser resolvida pelas forças do mercado ou pelos mecanismos regulatórios já existentes.

A experiência dos casos Votorantim e, principalmente, Panamericano serve como um alerta para os potenciais perigos de decisões que, sob o manto da estabilidade, podem mascarar o uso inadequado do dinheiro do contribuinte. O BRB precisará demonstrar que a aquisição do Banco Master se enquadra em uma exceção à licitação, que foi precedida de avaliação justa, que foi aprovada com justificativa técnica e transparente, e alinhada com o interesse público, sob pena de incorrer em riscos legais, reputacionais e financeiros significativos, com potenciais responsabilizações para seus gestores.

*Agostinho Turbian é empresário e sócio do BRAZIL ECONOMY

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