O agronegócio brasileiro vive um paradoxo: é o setor que impulsiona a economia do país — responsável por 23,2% do PIB nacional e por 48,9% do total das exportações brasileiras (US$ 152,63 bilhões em 2024) —, mas enfrenta dificuldades para receber apoio governamental compatível com sua relevância econômica. Essa é a avaliação do deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), em entrevista ao BRAZIL ECONOMY durante a ExpoLondrina 2025.
“A gente tem muito claro que, para este governo [federal], o agro não é prioridade; pelo contrário, é tratado como adversário”, afirma Lupion, evidenciando a tensão entre o setor produtivo e o Poder Executivo. O parlamentar não hesita em apontar o que considera um descompasso entre o peso econômico do agronegócio e o tratamento recebido nas esferas decisórias federais.
Essa disparidade entre relevância econômica e influência política cria uma situação singular, na qual um setor crucial para o equilíbrio macroeconômico do país precisa lutar constantemente para garantir políticas públicas que sustentem sua competitividade.
O principal ponto de atrito entre o governo federal e o setor produtivo, segundo Lupion, é o financiamento da produção agrícola. O corte no Plano Safra 2024/2025, com a suspensão de parte dos recursos para a equalização de juros, é apontado como exemplo concreto dessa tensão.
“Precisamos buscar R$ 25 bilhões para fazer essa equalização de juros para o próximo Plano Safra e aliar isso ao seguro. Vamos arredondar para uns R$ 28 a 30 bilhões que o governo precisa encontrar espaço fiscal para viabilizar”, detalha o presidente da FPA, evidenciando a magnitude do problema.
Quando questionado sobre as justificativas apresentadas pelo governo para a redução dos recursos, Lupion é categórico: “Caixa, espaço fiscal, problemas de prioridades”. Em outras palavras, a priorização de recursos orçamentários estaria privilegiando outras áreas em detrimento do agronegócio, apesar de sua importância estratégica para a economia nacional.
A análise do fluxo de investimentos federais demonstra essa realidade: enquanto o orçamento para o Plano Safra sofre contingenciamentos, outros setores não enfrentam as mesmas restrições. Esse cenário é particularmente preocupante em um momento em que os custos de produção aumentaram significativamente — o deputado menciona que os produtores estão “pagando praticamente o dobro do frete do ano passado”.
O segundo campo de batalha entre o setor produtivo e o governo, de acordo com Lupion, é o controle da narrativa sobre sustentabilidade ambiental. “Ninguém produz com a responsabilidade social e ambiental como o produtor brasileiro. Ninguém cumpre a legislação que nós cumprimos”, defende.
Esse embate ideológico ganha proporções internacionais com a aproximação da COP30, que será realizada em Belém, em novembro deste ano. “A gente tem que vencer uma guerra de narrativas enorme em relação à COP, que vai tentar nos prejudicar de todas as maneiras”, alerta o parlamentar.
A questão vai além da reputação: afeta diretamente a competitividade do agronegócio brasileiro no mercado internacional. Enquanto o Brasil preserva 66,3% de sua cobertura vegetal nativa, segundo o Serviço Florestal Brasileiro, e exige que propriedades rurais mantenham entre 20% e 80% de sua área como reserva legal (dependendo do bioma), outros concorrentes agrícolas globais não seguem regras tão rígidas.
“Se o governo tenta apoiar e encaminhar narrativas contrárias ao setor para diminuir a nossa importância”, observa Lupion, “isso enfraquece a posição brasileira nas negociações internacionais e abre espaço para barreiras não tarifárias às exportações nacionais.”
Insegurança jurídica
O terceiro ponto de fricção identificado pelo presidente da FPA é a segurança jurídica, com destaque para os direitos de propriedade. O Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas ilustra essa tensão: aprovado pelo Congresso Nacional por meio da Lei 14.701/2023, após intenso debate político, o marco enfrenta resistência em sua implementação.
“A lei já aprovamos, o Marco Temporal é válido, a lei está vigente, ou seja, tem que ser cumprida”, enfatiza Lupion, que integra a comissão de conciliação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema. A posição demonstra a preocupação com o cumprimento efetivo da legislação aprovada pelo Poder Legislativo.
O “Abril Vermelho”, período tradicionalmente marcado por ocupações de terras, é outra fonte de apreensão. “Para abril, as invasões de propriedades — acho que esse é o grande problema”, aponta o deputado, referindo-se à situação no Oeste do Paraná, onde terras são reivindicadas por comunidades indígenas.
Essa incerteza jurídica tem impacto direto nos investimentos do setor. Levantamento do Departamento Técnico e Econômico (DTE) do Sistema FAEP (Federação da Agricultura do Estado do Paraná) aponta que as áreas invadidas correspondem a 17,9% das áreas agricultáveis de Terra Roxa, 14,4% de Guaíra e 1,9% de Altônia. Somadas, essas áreas respondem por 12,5% das terras destinadas à agropecuária nos três municípios — sendo seu principal pilar econômico.
O DTE também estima que, se essas terras deixarem de produzir, o prejuízo pode chegar a R$ 261 milhões. A projeção leva em conta o Valor Bruto da Produção (VBP) Agropecuária de cada município e a dimensão das áreas invadidas em relação às terras agricultáveis. Só em Terra Roxa, se as propriedades forem retiradas dos produtores, deixarão de gerar o equivalente a R$ 173,2 milhões.
O modelo paranaense
Como contraponto às dificuldades enfrentadas pelo setor em âmbito nacional, Lupion destaca o Paraná como modelo de desenvolvimento agroindustrial. “O Paraná conseguiu atingir um ponto na produção agropecuária que é extremamente importante: não exportar só commodities, mas principalmente beneficiar a agroindústria paranaense.”
De acordo com o ranking Época Negócios 360º, de 2024, o Paraná tem 41 empresas entre as 500 maiores do Brasil — 16 são cooperativas. “Destaque absoluto para as nossas cooperativas. A agroindústria paranaense tem beneficiado os produtos aqui, transformando o grão de soja em proteína animal. Gera renda, agrega valor e faz com que a economia melhore também”, analisa.
Esse modelo, porém, exige infraestrutura adequada para se desenvolver plenamente. “Infraestrutura, principalmente investimentos importantes nos gargalos que nós temos: escoamento de safra, armazenagem, irrigação e os modais de transporte, que ainda estão muito aquém do tamanho da nossa safra e do volume que produzimos”, enumera o deputado.
Guerra tarifária
A guerra tarifária entre Estados Unidos e China, intensificada nos últimos meses, apresenta um cenário de incertezas para o agronegócio brasileiro. Inicialmente vista como uma possível oportunidade — com a imposição de tarifas de 10% pelo governo americano —, a situação mudou com a suspensão temporária por 90 dias, anunciada pela China.
“Até ontem (09/04), eu te diria que sim”, comenta Lupion sobre possíveis benefícios para o Brasil. “Até porque 10% era uma alíquota baixa em relação a outros países, e a gente poderia aproveitar novos mercados, principalmente com a China comprando mais da gente.”
Essa volatilidade no cenário internacional reforça a necessidade de políticas domésticas estáveis e previsíveis para o setor. Enquanto a geopolítica global apresenta riscos e oportunidades inesperados, a solidez institucional interna torna-se ainda mais crucial para a resiliência do agronegócio brasileiro.
O paradoxo do agronegócio brasileiro — de ser simultaneamente um gigante econômico e um ator politicamente vulnerável — reflete tensões mais amplas da sociedade. Em um país onde 84% da população vive em áreas urbanas, segundo o IBGE, mas cujo equilíbrio econômico depende crucialmente do campo, a construção de pontes entre essas realidades distintas emerge como desafio fundamental para o desenvolvimento sustentável.
“A dificuldade é conseguir incutir na cabeça dos responsáveis lá na Esplanada dos Ministérios que o setor precisa ser valorizado”, resume o presidente da FPA, sintetizando o desafio político central do agronegócio brasileiro atual.
“A gente precisa conseguir mostrar que o produtor rural é cidadão de bem, trabalhador, gira a economia, carrega a economia nas costas e precisa ser respeitado”, conclui Pedro Lupion, resumindo o que talvez seja o maior desafio do setor: transformar sua incontestável relevância econômica em correspondente influência política e reconhecimento social.