Reconhecida como uma das dez melhores escolas de negócios do mundo pelo Financial Times, a Fundação Dom Cabral (FDC) vem consolidando sua presença nacional e internacional com investimentos estratégicos, programas de impacto social e foco na formação de líderes preparados para um cenário global em constante transformação. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, Antônio Batista da Silva Junior, presidente executivo da FDC, fala sobre o desempenho da instituição no início de 2025, os desafios do mercado de trabalho, a nova unidade em São Paulo e os rumos da educação executiva no Brasil.
Como está sendo o começo do ano para a Fundação Dom Cabral? A demanda está dentro do esperado?
O ano começou de forma bastante positiva. Os últimos três anos foram marcados por um crescimento consistente, e o primeiro trimestre de 2025 manteve essa trajetória. Embora a economia brasileira ainda não cresça no ritmo ideal, ela vem se expandindo, e felizmente não sentimos impactos relevantes dos eventos geopolíticos ou macroeconômicos globais em nosso setor. Nossas turmas estão sendo formadas conforme o planejado, tanto nos programas abertos ao público quanto nas contratações corporativas e governamentais.
Quando você menciona “fenômenos geopolíticos” que ainda não afetaram o Brasil, está falando de quais questões especificamente?
Principalmente dois fatores. Primeiro, os conflitos bélicos, como a guerra na Europa: se houver uma escalada, isso pode desestabilizar o comércio global e afetar diretamente as exportações e importações brasileiras. Segundo, o cenário político nos Estados Unidos — especialmente pelo retorno de Trump à presidência, que trouxe de volta uma política externa protecionista, com aumento de tarifas, retaliações comerciais e pressão inflacionária global. Esses riscos ainda não se materializaram de forma ampla, mas já começam a impactar setores específicos.
E no Brasil? Quais são os desafios internos que mais preocupam?
O maior ponto de atenção é o quadro fiscal. Apesar da taxa de desemprego historicamente baixa e do crescimento econômico de aproximadamente 2% este ano, a inflação segue pressionada. Além disso, já estamos em clima de campanha eleitoral, o que naturalmente gera incertezas. Por ora, nada disso impactou diretamente a demanda por educação executiva, mas é um cenário que exige vigilância.
Sobre o mercado de trabalho: após a pandemia, vimos um boom de contratações de talentos brasileiros por empresas estrangeiras. Esse movimento está mudando?
Sim. A pandemia acelerou a globalização do trabalho, com empresas de fora contratando profissionais brasileiros para atuar remotamente. Agora, vivemos um certo recuo protecionista, com países como EUA e membros da União Europeia priorizando a contratação de talentos locais e dificultando processos de imigração. Isso é natural. A mão de obra é, historicamente, a última fronteira da globalização. O Brasil, nesse contexto, precisa investir com urgência em qualificação técnica e profissional para manter sua relevância. O gargalo de mão de obra é o maior obstáculo para o crescimento do País. Essa é uma trava de 40 anos.
Mas as taxas de desemprego estão em baixa histórica.
Sim. Em vários setores da economia, já estamos vivendo situação de quase pleno emprego. Mas a qualificação ainda é um problema. Isso porque a cada três anos, o ensino eclode. Quase tudo que aprendemos antes já não serve mais para nada.
E por que o país ainda não consegue avançar de forma significativa na qualificação da mão de obra?
É um gargalo histórico. A baixa produtividade e a má distribuição de renda persistem. Temos situações em que engenheiros trabalham como motoristas de aplicativo, enquanto falta mão de obra básica qualificada, como pedreiros e encanadores. Há também distorções em programas sociais como o Bolsa Família, que precisam ser ajustados para evitar o desincentivo ao trabalho formal. A solução está em uma combinação de educação técnica de qualidade e políticas sociais bem estruturadas, com mecanismos claros de entrada e saída.
Falando em crescimento, como surgiu a ideia de expandir a atuação da Fundação Dom Cabral em São Paulo?
São Paulo já representa cerca de 30% da nossa receita, que foi de mais de R$ 430 milhões em 2024. Por isso, fazia todo sentido ampliar nossa presença física na cidade. Inauguramos um prédio de dez andares na Vila Olímpia, com um investimento de R$ 24 milhões. Mais do que uma expansão geográfica, trata-se de um passo importante na nossa transformação: deixamos de ser apenas uma escola de negócios para nos tornarmos um centro de formação de líderes e organizações, atuando desde a base, com empreendedores de comunidades, até o topo, com CEOs de grandes corporações.
A FDC também lançou recentemente um fundo de bolsas. Qual é o objetivo?
Criamos o fundo com R$ 20 milhões iniciais, somando recursos próprios e doações de parceiros como Gerdau e MRV. A ideia é simples e poderosa: aplicar esse patrimônio e usar os rendimentos para financiar bolsas de estudo, de forma perene. Nos inspiramos em instituições como Harvard, que tem US$ 52 bilhões em doações. Claro que estamos em outra escala, mas nossa meta é acumular, ao longo das próximas décadas, um fundo robusto em dólares, voltado à inclusão social e ao acesso à educação de qualidade.
Como a FDC alcançou tanto reconhecimento internacional?
Com uma estratégia bem definida. Estamos entre as cinco melhores escolas de negócios do mundo, segundo o Financial Times, e somos a única da América Latina nesse ranking. Em 2024, recebemos mais de 2.000 estudantes internacionais. Apostamos em temas nos quais o Brasil tem destaque, como agronegócio, energia limpa e sustentabilidade. Nossos dois pilares estratégicos são: ampliar o olhar internacional dos brasileiros, que ainda pensam pouco no mercado global, e aproveitar as nossas vantagens competitivas para atrair estrangeiros e fomentar a troca de experiências.
Vocês estão liderando um amplo estudo global sobre o futuro do trabalho. Quando ele será divulgado?
Ainda não temos uma data definida. O estudo é conduzido por professores da FDC em parceria com instituições de mais de 60 países. O lançamento será simultâneo em todos esses mercados, e o conteúdo está sob sigilo até lá. Mas posso adiantar: será um material que vai contribuir muito para o debate sobre empregabilidade, inovação e o papel das organizações no mundo pós-digital.