O aumento na percepção de risco nos Estados Unidos, provocado pela escalada da guerra comercial com a China, acendeu o sinal de alerta sobre o futuro da maior economia do mundo e sobre a força do dólar como principal referência global. Esse cenário não só impulsiona a busca por ouro, tradicional ativo demandado em tempos de guerra militar ou não, como também por outras moedas de outras potências globais. É o que aponta levantamento feito pelo estrategista macro da Genial Investimentos, Roberto Motta, a pedido do BRAZIL ECONOMY. “Pela primeira vez em muito tempo o mercado passou a questionar se os Estados Unidos ainda são o porto seguro do mundo. Será que o reinado do dólar está ameaçado?”, disse Motta.
O pano de fundo para essa mudança de percepção foi o aumento na volatilidade dos ativos americanos e o comportamento atípico dos juros e da moeda. “O que vimos foi o dólar se desvalorizando enquanto os juros longos subiam fortemente. Isso é comportamento típico de países emergentes, não de uma economia desenvolvida”, destacou.
Neste cenário, os chamados ativos de proteção voltaram a ganhar destaque. O ouro subiu quase 8% na semana passada e o franco suíço, outro tradicional refúgio em tempos turbulentos, se valorizou cerca de 5%. A moeda americana, por sua vez, avançou 0,61% no período, cotado a R$ 5,87.
Na segunda-feira (14), o ouro apresentou queda de 0,56%, a US$ 3.266 por onça troy, após atingir o pico de US$ 3.245,42 no começo do pregão e o franco teve alta de 0,28%, para R$ 7,18. Já o dólar comercial recuou 0,16%, a R$ 5,85. “Os investidores correram para os clássicos ativos de segurança. Isso mostra claramente a desconfiança crescente sobre a credibilidade dos EUA”, afirmou o especialista.
A volatilidade do S&P 500 – um índice que inclui as 500 empresas de capital aberto negociadas nas Bolsas de Valores dos Estados Unidos – é outro exemplo de como o mercado está receoso, na visão dele.
Na segunda-feira (7), o S&P 500 abriu em alta e atingiu 5.077 pontos por volta das 11h, mas caiu cerca de 2,4% em apenas 30 minutos, chegando aos 4.955 pontos. Ao final do dia, recuperou parte das perdas e fechou aos 5.062 pontos. Na terça-feira (8), em meio às notícias de retaliações da China e resposta dos Estados Unidos, o índice continuou volátil: subiu até 5.253 pontos pela manhã, alta de 5,4% em relação à mínima do dia anterior, mas encerrou o pregão em queda, aos 4.986 pontos. Já na quarta-feira (9), o S&P 500 chegou a 5.453 pontos, acumulando valorização de 9,4% desde a mínima da segunda-feira, mas perdeu força nos dias seguintes e terminou a semana cotado a 5.361 pontos.
Risco elevado afasta capital dos emergentes, como o Brasil
Para o Brasil, o cenário global de aversão a risco é desafiador. “O que tem de bom dos países emergentes é que o prêmio de risco é alto. Mas o mercado não quer risco nenhum no cenário atual. O forte apetite dos ativos de segurança ao redor do mundo, dificulta ou inviabiliza o fluxo para países emergentes, já que são ativos considerados bem arriscados”, alertou Motta.
Segundo Motta, o Brasil precisa trabalhar em seus fundamentos para se tornar mais atrativo nesse novo contexto. A solução passa por uma agenda clássica: política fiscal mais crível, corte de gastos, redução da dívida. “Mas o governo tem caminhado na direção oposta, com mais estímulos e aumento do gasto público”, afirmou.
Guerra comercial entre EUA e China alimenta incertezas
No centro de toda essa turbulência está a guerra tarifária entre Estados Unidos e China. Apenas em 2024, o comércio bilateral entre os dois países movimentou US$ 680 bilhões. “Se essa guerra continuar, o risco de recessão global aumenta. E, principalmente, o risco de recessão americana”, disse Motta.
Para ele, os próximos passos serão decisivos. “O mundo pode trabalhar com a possibilidade de o Trump recuar, o que ajudaria os ativos financeiros de mais risco. Mas, se a guerra comercial continuar, a tendência é de mais perda de confiança e mais busca por ativos seguros. As incertezas, hoje, estão em níveis extremamente elevados”, concluiu.