“A contradição climática não é só do Brasil, a contradição é do mundo inteiro. Nós vamos ter que lidar com ela, porque a raiz do problema é a emissão de CO2 por carvão, petróleo, gás e desmatamento.” A avaliação é da ministra do Meio Ambiente e da Mudança no Clima no Brasil, Marina Silva, após ser questionada pelo BRAZIL ECONOMY sobre as pressões para a exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas.
Após participar de evento realizado na FIA Business School com o UOL EdTech, na noite de quinta-feira (24), Marina manifestou um reconhecimento do debate interno em curso no Brasil sobre a possibilidade dessa exploração, mas destacou que a decisão não depende da Presidência da República, mas sim do Conselho Nacional de Política Energética. Segundo ela, cabe ao Ministério do Meio Ambiente e ao Ibama apenas a análise técnica do licenciamento.
“O Brasil é um país produtor e consumidor de petróleo, mas tem uma grande vantagem comparativa. Nós já temos uma matriz energética mais de 40% limpa e nós temos fontes de geração de energia que podem não só ajudar a resolver o nosso problema, quanto contribuir para ajudar aqueles países que não têm as mesmas facilidades que nós”, explicou a ministra.
Na visão dela, o caminho para resolver esta situação passa por um planejamento, investindo cada vez mais em energia limpa, renovável e segura. “E esse é o nosso diferencial”, declarou.
A transição energética é um grande debate do executivo neste momento que antecipa a COP30. O governo, no geral, tem se posicionado contra a exploração de petróleo em áreas críticas, mas ainda assim a Petrobras busca continuar com esses projetos. E há pressão por parte de alguns setores governamentais e da economia para avançar nesta questão.
Na sexta-feira (25/4), um grupo de vereadores e deputados, como Ivan Valente, do PSOL, enviou uma carta para o presidente Lula, pedindo pela suspensão da prospecção de petróleo na bacia. Na mesma semana, o Ministério Público Federal recomendou a revisão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a exploração do petróleo na foz, destacando a necessidade de consultas prévias a comunidades indígenas e tradicionais.
A voz brasileira na emergência climática
Marina tem sido uma das principais vozes do governo federal nas discussões internacionais sobre a crise climática. Na “comissão de frente” da COP30, que será realizada em novembro de 2025, em Belém, a ministra defende uma transição energética global mais justa, tendo o Brasil como exemplo, mas sem tirar a responsabilidade das grandes economias.
Marina critica o negacionismo climático, em especial a postura do ex-presidente norte-americano Donald Trump, e aponta que a atual geopolítica internacional prejudica o avanço de soluções sustentáveis, como o hidrogênio verde. “Há um arrefecimento na produção de meios e financiamentos para a questão do hidrogênio verde”, disse.
À medida que se aproxima da COP30, Marina comenta que o Brasil está estruturando um modelo inédito de participação da sociedade civil. Serão criados ciclos temáticos, entre eles o dos povos, das finanças e do conhecimento, que estarão conectados diretamente à presidência da conferência.
A expectativa é que a COP30 represente um novo marco político para o País e para a agenda climática global. Até o momento, apenas 10% dos países signatários da Convenção do Clima da ONU apresentaram seus novos planos de contribuição para redução das emissões. O prazo foi estendido até setembro.
“O que é preocupante é o que virá como compromisso de redução. Se o compromisso, que já foi adiado de fevereiro para setembro, vier alinhado com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, nós temos uma resposta à altura da emergência climática que nós estamos vivendo. Provavelmente não teremos um alinhamento total, mas isso é o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) que vai dizer, depois que todas as NDCs sejam apresentadas”, disse ela, ao se referir às Contribuições Nacionalmente Determinadas, que são compromissos de cada país para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
Para uma plateia de alunos, professores e jornalistas, Marina reforçou que a COP30 “não é do Brasil, é no Brasil”. “É referencial, para criar uma nova base histórica para tudo que a humanidade tem que fazer para preservar a vida e as condições no planeta”, afirmou.
Ela acredita que o fato de a conferência acontecer na Amazônia amplia ainda mais a relevância do evento. “A COP vai acontecer em um contexto ponto de não retorno, que é a Amazônia. Um contexto muito difícil, mas com um desafio que é instigante.”
A ministra reforçou também que não estamos mais em um momento de apenas planejar, mas sim de executar os planos estabelecidos desde a primeira COP30. “Tudo o que tinha que ser planejado, já foi feito nos últimos 33 anos. Não tem mais o que protelar”, entende.
Além da preocupação com o alinhamento com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, a ministra chamou a atenção para o represamento do financiamento climático. “Precisamos de 1,3 trilhão de dólares para o financiamento climático. A posição americana está desestimulando as alianças e o setor financeiro a continuar com esse objetivo”, afirmou.
Enfraquecimento do multilateralismo ambiental
Durante o evento, a ministra também fez diversas críticas ao negacionismo sobre as mudanças climáticas e ao enfraquecimento do multilateralismo ambiental.
Um dos seus alertas foi em relação à possível saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris em 2026, como já afirmou o presidente do país norte-americano, Donald Trump, o que colocaria em xeque compromissos assumidos por outros países e setores.
“Agora é o teste: quem tinha compromisso, de fato, vai seguir mesmo com o compromisso sendo enfraquecido? Não podemos deixar que a ação climática seja reduzida”, afirmou.
Na visão dela, cabe às empresas e cidadãos americanos se mobilizarem para acabar com esse negacionismo dentro do governo dos Estados Unidos. Além disso, cabe ao Brasil e demais países como Índia, China, Reino Unido e África do Sul serem um exemplo. “Todos vão ter que trabalhar dobrado para dar conta do recado. Do ponto de vista geopolítico e da ação multilateral, não podemos apenas assistir a essa potência mundial não fazer seu dever de casa”, concluiu Marina Silva