Jonatas Pires Faura, especialista em Asset Allocation na WIT Invest da XP Investimentos, acompanha de perto as movimentações políticas e econômicas que afetam a rotina do mercado financeiro. Nos últimos dias, com as polêmicas geradas pelo presidente americano Donald Trump, ele tem se dedicado como nunca às análises. Isso porque está sob sua responsabilidade a divisão de Wealth, Investments & Trust. O multi-family office atua nas áreas de assessoria de investimentos, fundos exclusivos, câmbio e remessas internacionais, serviços financeiros (principais linhas de crédito) e emissão de dívidas no mercado de capitais. Confira, a seguir, sua análise.
O que essa nova tributação comercial representa dentro da estratégia econômica do governo Trump?
Desde seu primeiro mandato, Trump vem adotando medidas protecionistas. Agora, isso se intensificou durante o segundo mandato, alegando que os EUA estão em desvantagem em acordos comerciais globais. Trump alega que tais medidas têm o objetivo de fortalecer a indústria interna e reduzir déficits comerciais com outros países. O Canadá e o México foram alvos de tais políticas, principalmente para atender a certas demandas políticas, como o controle das fronteiras para mitigar o tráfico de drogas e imigrantes ilegais para os EUA. A tributação também está alinhada com sua visão de “America First” e “MAGA” (Make America Great Again), buscando proteger e atrair empresas para produzir mais internamente e proteger empregos nos EUA. Porém, o ônus disso é uma guerra comercial e política entre aliados e não aliados. A dúvida que fica para os próximos anos de mandato de Trump é: até onde ele está disposto a ir com essas políticas e até quando ele consegue manter essa postura de “não precisamos de vocês”?
Quais setores e países devem ser mais impactados por essas tarifas?
Os países mais afetados diretamente são Canadá, México e China. Contudo, esse tipo de medida pode ser estendido para outros países, como o Brasil. Isso, claro, de forma direta, pois indiretamente muitos países já estão avaliando como essas medidas iniciais impactarão suas economias e se estão no radar para serem os próximos “alvos”. Os setores mais impactados serão o automobilístico, pois muitas empresas no Canadá e no México exportam peças para os EUA. Isso tende a encarecer os carros para o consumidor final. O setor industrial também será afetado, pois a China é o maior exportador de bens manufaturados para os EUA, principalmente componentes eletrônicos e industriais. A mineração e os metais também sentirão o impacto, com tarifas sobre aço e alumínio, afetando países como Canadá e Brasil, que são grandes fornecedores desses materiais para os EUA. Além disso, empresas multinacionais podem sofrer perdas por terem suas cadeias de suprimentos interrompidas ou encarecidas.
De que forma essa decisão se alinha com as políticas protecionistas empregadas anteriormente pelos EUA?
Desde o primeiro mandato de Trump, ele impôs tarifas sobre aço e alumínio em 2018, além de iniciar uma guerra comercial contra a China com tarifas sobre produtos chineses que somavam centenas de bilhões de dólares. Essas novas tarifas se alinham com esse histórico protecionista e reforçam a ideia de que os EUA continuarão a utilizar barreiras comerciais para tentar equilibrar sua balança comercial e proteger a indústria nacional. Além disso, instaurar essas medidas agora sobre a China, que é seu maior rival geopolítico, pode ser usado no futuro como moeda de negociação.
Quais são as principais projeções para os mercados globais após a implementação dessas tarifas em março?
Como já foi visto durante essa semana nos mercados globais, a volatilidade está acentuada. As bolsas globais sofreram quedas e oscilações, principalmente nos setores afetados pelas tarifas. Ativos mais seguros e de reserva de valor tendem a ser mais procurados, como ouro e títulos do Tesouro americano. Há também a possibilidade de uma alta na inflação global no médio e longo prazo. O aumento nos preços dos produtos dentro dos EUA faz com que as exportações americanas levem o efeito inflacionário para outros países. Juntamente com a redução do crescimento econômico, as tarifas comerciais geralmente desaceleram o comércio global, impactando projeções de crescimento para 2025 e 2026 dos países, incluindo o PIB.
Como os investidores estão reagindo a essa mudança até o momento?
O mercado estará mais volátil, e os investidores agem com cautela ao fazer alocações em ativos e setores que podem ser alvos de novas tarifas. Muitas empresas já registraram quedas devido à preocupação com o aumento nos custos e a possível diminuição da demanda. O ouro, que é um ativo de proteção contra incertezas econômicas, vem se apreciando bastante desde 2024. Investidores estão migrando para ativos mais seguros, como os títulos do Tesouro americano. Aqueles que buscam ainda maior proteção, estão comprando imóveis, terras e ouro. Nos últimos dias, as quedas mais acentuadas ocorreram nas empresas de tecnologia, principalmente nas sete grandes.
Há risco de aumento da inflação global como reflexo dessas tarifas?
Sim, tarifas tendem a aumentar a inflação, pois encarecem produtos importados, levando as empresas a repassarem esses custos aos consumidores. Nos EUA, isso pode dificultar o trabalho do Federal Reserve, que já luta para conter a inflação. No Brasil e em outros mercados emergentes, o custo maior para a produção americana será refletido no preço de produtos importados, causando uma pressão inflacionária nesses países.
Como o Brasil será afetado por essas novas tarifas? Quais setores deverão sentir o maior impacto? Como as exportações brasileiras serão influenciadas?
O Brasil não é o principal alvo dessas medidas, mas pode sofrer impactos indiretos. Com a economia global desacelerando, espera-se uma menor demanda por commodities, impactando produtos brasileiros como soja, minério de ferro e carne. Isso afetará as empresas exportadoras, refletindo nos seus balanços e no preço das ações no mercado brasileiro. O cenário de incerteza pode também levar investidores a buscar refúgio no dólar, pressionando a taxa de câmbio no Brasil.
Como os países afetados estão reagindo a essa medida? Existe risco de retaliação comercial por parte da China, Canadá, México e outros parceiros estratégicos?
Sim, esses países provavelmente retaliarão de alguma forma. China, México e Canadá já indicaram que podem responder com suas próprias tarifas sobre produtos americanos. Isso pode iniciar uma nova guerra comercial, prejudicando empresas e consumidores de ambos os lados. A China, por exemplo, pode impor tarifas sobre produtos energéticos e agrícolas, como carvão, gás natural, petróleo e produtos agrícolas dos EUA, afetando diretamente os agricultores americanos. O México pode dificultar a exportação de insumos industriais para as montadoras americanas. No Canadá, o primeiro-ministro Justin Trudeau anunciou tarifas de 25% sobre produtos importados dos EUA, abrangendo setores como alimentos, têxteis e móveis, com planos de expansão para C$125 bilhões.
Empresas exportadoras podem se preparar para mitigar os impactos das novas tarifas?
Empresas que exportam para os EUA ou dependem da cadeia global de suprimentos podem se expandir para outros mercados, buscando outros países para exportar e reduzir a dependência dos EUA. Aumentar a eficiência logística e reduzir custos, melhorando a produtividade e, consequentemente, seus lucros, também são estratégias importantes. As empresas podem tentar obter exceções e benefícios com acordos bilaterais, explorando oportunidades de comércio com países que não estão sujeitos a tarifas.
A implementação dessas tarifas pode influenciar o apetite ao risco dos investidores internacionais?
Essa situação faz com que os investidores reduzam a exposição a ativos de risco, como ações e mercados emergentes. Isso resulta em uma fuga de capital de países emergentes para ativos considerados seguros, como o dólar, ouro e títulos do Tesouro americano. Como o Brasil é considerado um país emergente, isso pode reduzir o volume de investimentos estrangeiros.
Como os investidores podem se proteger dos impactos dessas tarifas em suas carteiras?
Diversificação global tem sido cada vez mais necessária para investidores que visam o longo prazo. Ter ativos em diferentes mercados reduz o impacto de choques em regiões específicas. Hoje em dia, é fácil acessar esse tipo de aplicação, algo que, há 10 ou 20 anos, era apenas para investidores profissionais ou com muito capital. Para quem quer manter exposição à renda variável, o ideal é focar em setores como saúde, consumo básico e utilities, que tendem a ser mais resilientes em tempos de incerteza. Para aqueles que preferem manter exposição interna, é bom ter um hedge cambial, protegendo a carteira contra os riscos cambiais. Aumentar posição em ouro e renda fixa também é recomendado por especialistas, pois esses ativos de proteção podem ajudar a minimizar perdas em momentos de volatilidade.