“O maior entrave para a geração distribuída no Brasil são as distribuidoras de energia”

Para Carlos Evangelista, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), as empresas precisam se modernizar para deixar de criar barreiras ao avanço do setor solar

Compartilhe:

Imagens: Divulgação

Carlos Evangelista, da ABGD, prevê uma desaceleração neste ano, mas ainda com crescimento de 22%

Carlos Evangelista, da ABGD, prevê uma desaceleração neste ano, mas ainda com crescimento de 22%

Quem já investiu na instalação de placas solares em casa sabe que a aprovação de projetos de microgeração distribuída pode se tornar uma inexplicável via-crúcis. Mas o executivo Carlos Evangelista, presidente da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), tem a resposta para parte dos entraves. Segundo ele, as distribuidoras de energia frequentemente criam barreiras e impõem burocracias ao setor de energia solar e à geração distribuída porque esses modelos descentralizados de produção ameaçam seu modelo de negócios tradicional.

Como a geração distribuída permite que consumidores produzam parte ou toda a energia que consomem, a demanda por eletricidade fornecida pelas distribuidoras diminui, reduzindo suas receitas. Além disso, o sistema de compensação de energia – no qual os consumidores injetam eletricidade excedente na rede e recebem créditos – pode ser visto pelas distribuidoras como uma perda de faturamento, uma vez que deixam de vender energia a esses clientes e, em alguns casos, ainda precisam remunerar a infraestrutura utilizada para essa compensação.

Evangelista afirma ainda que outro fator relevante é a necessidade de adaptação da infraestrutura elétrica para lidar com a geração descentralizada. As redes de distribuição foram projetadas para operar de forma unidirecional, levando energia das usinas até os consumidores. Com a entrada de pequenos geradores solares conectados à rede, as distribuidoras precisam investir em modernização e controle para evitar sobrecargas e problemas técnicos.

No entanto, em vez de enxergar isso como uma evolução do setor elétrico, muitas empresas optam por dificultar a adesão à geração distribuída por meio de exigências burocráticas, atrasos na conexão dos sistemas e até mesmo taxas adicionais, buscando manter sua posição dominante no mercado e garantir suas margens de lucro. Em entrevista exclusiva ao BRAZIL ECONOMY, o executivo faz um balanço do setor em 2024, analisa as perspectivas para 2025 e afirma que o empresário brasileiro chora demais na esperança de conseguir incentivos dos governos. Confira.

Como foi o desempenho do setor de geração distribuída em 2024?
O ano foi muito positivo, com crescimento de 35% no número de unidades consumidoras, totalizando mais de 3 milhões de sistemas instalados. Isso beneficiou cerca de 5 milhões de brasileiros, com uma potência agregada equivalente a 34 GW, ou 2,5 usinas de Itaipu. Os investimentos privados somaram R$ 162 bilhões, gerando 1,16 milhão de empregos desde 2012.

Quais as perspectivas para 2025?
Espera-se um crescimento menor, de 22%, influenciado pela combinação de juros altos, que encarecem as linhas de financiamento, dólar elevado, que também encarece equipamentos importados, e excesso de oferta global de módulos solares, principalmente da China, que hoje produz o dobro da demanda global. No Brasil, a previsão é adicionar 7 GW à matriz elétrica, atingindo 41 GW até o final do ano.

As recentes mudanças regulatórias podem prejudicar?
A Lei 14.300/2022 trouxe duas mudanças críticas. A primeira é a cobrança pelo uso da rede, chamada de tarifa do fio. Sistemas instalados a partir de 2023 passaram a ter descontos progressivos na compensação de créditos. Neste ano, para cada 100 kWh injetados na rede elétrica, o consumidor recebe 75 kWh de volta. Ou seja, 25% de pedágio. Até 2029, esse percentual chegará a 100% do custo da rede, cerca de 30% de pedágio. Por outro lado, um aspecto positivo foi a estabilidade jurídica, que facilitou a entrada de grandes empresas no setor.

O caso do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a acusação de venda de energia afetou o mercado?
O TCU questionou se o modelo de geração compartilhada, no qual uma usina atende múltiplos consumidores, configuraria venda ilegal de energia. Após discussões, ficou claro que não há venda, mas sim a compensação de créditos, pelo sistema net metering. As empresas do nosso setor precisam ajustar a comunicação para evitar confusão.

As distribuidoras de energia estão dificultando o avanço da geração de energia solar em casas e empresas?
Muito. Algumas são muito ruins, outras menos piores. Mas todas criam barreiras para que as pessoas instalem sistemas de energia em casa. Hoje, o maior entrave para o crescimento da geração distribuída são as distribuidoras de energia.

Por que as distribuidoras resistem à microgeração?
Há três motivos principais. O primeiro, e mais importante, é a perda de receita. As distribuidoras ganham com a tarifa de rede, e a geração distribuída reduz o consumo de energia da concessionária. O segundo ponto é um problema técnico. As concessionárias alegam inversão de fluxo de potência em redes não dimensionadas para alta injeção. O terceiro é a burocracia. Processos lentos e exigências desproporcionais, como autorizações para “injetar à noite” – algo impossível sem baterias –, geram insegurança.

As baterias, que ainda são caras, podem ajudar a resolver esses conflitos?
Com certeza. Os preços devem cair 50% até 2027, tornando-se acessíveis. As baterias ajudarão a resolver esse argumento das distribuidoras, como a inversão de fluxo, além de possibilitar o armazenamento para horários de pico e garantir autonomia durante cortes de energia.

Como o Brasil se compara globalmente a outros países em geração distribuída?
O País está entre os dez maiores do mundo, com 22% da matriz elétrica solar. Austrália e Alemanha lideram, mas o Brasil tem potencial para crescer. Hoje, existem 93 milhões de unidades consumidoras no Brasil, mas apenas 5 milhões utilizam a geração distribuída. Temos muito espaço para crescer.

Falta política pública para incentivar o setor?
Há incentivos. O empresário brasileiro é muito reclamão. Existem incentivos em todos os setores. No nosso caso, há financiamentos em bancos públicos, como BNDES e Banco do Nordeste, além de bancos regionais que oferecem taxas reduzidas – em alguns casos, de 7% ao ano. Também há muitos benefícios fiscais, como isenção de IPTU e de IPVA para carros elétricos e híbridos, como acontece em cidades como Sorocaba (SP). Mas é fato que também há barreiras para o crescimento, como a alta tributação sobre equipamentos e cortes em alguns subsídios.

O excesso de oferta da China é um problema ou uma solução para baratear o acesso?
Sim, é um problema. Como a China produz o dobro da demanda global de módulos solares, pressiona os preços para baixo e inviabiliza a produção local. O Brasil tem apenas duas fábricas de pequena escala, incapazes de competir.

O que esperar do futuro?
O setor deve se adaptar a novos modelos de negócio, como assinaturas de energia solar, e se abrir a tecnologias emergentes, como baterias e smart grids. Isso vai pressionar por modernização das distribuidoras de energia. Mas vejo que a geração distribuída avança, apesar dos desafios regulatórios, econômicos e técnicos. Com políticas claras e investimentos em infraestrutura, o Brasil pode consolidar sua liderança em energia limpa.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

ASSINE NOSSA NEWSLETTER E
FIQUE POR DENTRO DAS PRINCIPAIS NOTÍCIAS DO MERCADO

    Quer receber notícias pelo Whatsapp ou Telegram? Clique nos ícones e participe de nossas comunidades.