A Argentina perdeu uma grande jogadora de hóquei sobre a grama e o Brasil ganhou uma competente executiva. Com a série de contusões no ombro em sua adolescência, Paula Harraca teve de deixar uma carreira promissora na modalidade, em que chegou à seleção de seu país. O foco voltou-se aos estudos. Graduada em administração de empresas, com mestrado em recursos humanos e uma série de especializações executivas internacionais, Paula atuou por 20 anos (de 2003 a 2023) na siderúrgica ArcelorMittal. Foi de trainee a diretora de futuro, responsável por estratégias de ESG, inovação e novos negócios. Desde julho de 2024 ela cuida, como CEO, do futuro da Ânima Educação, um dos três maiores conglomeradores educacionais do Brasil. Sua missão é dobrar o tamanho da companhia, que faturou R$ 2,9 bilhões de janeiro a setembro de 2024, 2,8% a mais do que o mesmo período anterior – os resultados fechados do ano passado serão divulgados no fim deste mês.
Paula leva os ensinamentos do esporte para sua atuação executiva. Determinação e visão de jogo – ou dos negócios – são algumas de suas características. Antes de assumir como CEO do grupo – sendo a primeira mulher e também a primeira profissional fora do time de fundadores –, ela atuava como conselheira da empresa.
Conhecia a corporação, mas era como assistir a um jogo da arquibancada. Como líder da operação, entra em campo para tomar decisões. De longe, a grama parece ser sempre mais bonita. De perto, pode observar se está mais alta ou mais baixa do que o normal. Paula afirmou ao BRAZIL ECONOMY que se surpreendeu com q qualidade do gramado que estava pisando na Ânima. “Uma empresa muito acolhedora, muito humana, autêntica. Organizada, arrumada”, disse ela.
Mas, naturalmente, a executiva traz suas “provocações”, como ela define, para alcançar os objetivos da “terceira onda da Ânima”, companhia que começou a escrever sua história há pouco mais de 20 anos. “Temos de ser ágeis e ao mesmo tempo profundos. Não vim para fazer grandes transformações. São pequenas intervenções, eficazes.”
Hoje, são 18 instituições de ensino superior na holding, com mais de 550 polos educacionais por todo o Brasil. Entre as marcas do ecossistema Ânima estão a HSM University, Ebradi (Escola Brasileira de Direito), Le Cordon Bleu (SP), SingularityU Brazil, Inspirali e Learning Village, além das faculdades Anhembi Morumbi, São Judas, Unisul, entre outras.
A primeira onda foi marcada por uma ascensão que culminou na abertura de capital em 2013. O que culminou na segunda onda, com forte aquisição de instituições de ensino para incremento do portfólio.
Agora, a “atleta corporativa”, como Paula se autointitula, trabalha para desenvolver a companhia nessa terceira fase. A partir de visitas e reuniões profundas com os times das universidades, do Conselho, investidores, das equipes pedagógicas, professores e alunos, foram definidos os pilares de crescimento: o fortalecimento do Ensino Acadêmico, a expansão em negócios com potencial a destravar (como Ensino Digital e Educação Continuada) e a criação de novas oportunidades de negócios.
Mudanças no organograma da Ânima já foram promovidas. Um comitê com três vice-presidências dedicadas a essas avenidas atua ao lado da CEO. Antes, eram ao menos cinco degraus de liderança.
O trabalho ainda está no início, mas já rende frutos. Nos nove primeiros meses de 2024, a receita subiu 2,8% mesmo com a queda do número de alunos, de 403,9 mil (em setembro de 2023) para 377,9 mil (em setembro de 2024). Porém, com o ticket médio 7% mais alto na vertente Core (ensino superior) e 10% na Inspirali (área médica).
Os alunos dos cursos digitais aumentaram de 137,1 mil para 140,7 mil. Mas a Ânima não vai priorizar o ensino on-line. A estratégia é unir as vantagens do EAD (Ensino a Distância) com o uso da infraestrutura física do grupo. “Não dá para ignorar o digital, mas o (ensino) híbrido talvez seja uma tendência maior”, disse Paula. Há uma corrente no grupo que defende a renomeação do EAD para “experiência da aprendizagem digital”.
“A Ânima defende desde sempre uma educação de qualidade. A tecnologia ajuda a escalar, mas ela é o meio. O processo de aprendizagem exige o desenvolvimento de experiência, de pesquisar no campus, de fazer um trabalho em equipe, de ter uma mentoria”, afirmou a CEO. “Nós aportamos e acreditamos, não apenas enquanto negócio, mas como conceito de educação, que o jeito melhor de aprender e de ensinar é criando trocas.”
E nesse processo pode haver uma “personalização da aprendizagem”, segundo Paula. Um modelo em que 80% ode ser feito de forma digital e 20% com interação presencial, em dias e horários de preferência do aluno.
LEGADO
Na tática para driblar os adversários e ganhar mercado, Paula Harraca quer potencializar a história de 832 anos que as instituições do grupo possuem juntas. “É um legado”, destacou a executiva, ao frisar que o desafio é deixar de lado processos pasteurizados e colocar o poder desse patrimônio de conhecimento na ponta.
Como? Estruturando melhor as oportunidades. O que pode estar perdido no meio de um negócio com 18 instituições, pode ganhar contornos mais específicos e ser melhor trabalhado. Ter mais foco no objetivo e atuar como um time. “Não pode ser um crescimento caótico. É preciso ter método, estratégia e disciplina, para ser sustentável.”
É assim que o grupo vê os cursos livres, de curta duração, educação executiva e B2B. Enquanto observava um mercado de R$ 50 bilhões apenas no ensino superior, agora amplia seu horizonte para um setor mais abrangente, de R$ 100 bilhões.
Nos contratos direto com empresas, a Anima observa a possibilidade de ser um parceiro “one-stop solution”. “Existem companhias que têm operação pelo Brasil inteiro e nós também temos. Essa sinergia tem de ser explorada”, enfatizou Paula, ao apontar serviços de treinamento e preparação a partir de uma universidade corporativa, que pode ser exclusiva para clientes, fora do que a Ânima possui em sua prateleira de cursos e formatos de ensino. “Podemos levar nossos profissionais até a empresa, inclusive. Mais customizado possível.”
Há ainda a possibilidade de companhias criarem seus cursos com o auxílio da expertise da Ânima. Como ocorre com a Rock in Rio Academy, que promove uma formação executiva em gestão, comunicação e eventos, com base no modelo de negócio de uma das maiores marcas de música e entretenimento do mundo. A HSM, da Ânima, é parceira do projeto há 10 anos, ou cinco edições.
Aulas, palestras e workshops dos executivos envolvidos com o evento, além de imersão nos bastidores do festival, fazem parte do conteúdo. Ao ensinar tudo o que acontece e como fazer, criou-se uma academia do business do Rock in Rio falou.
E isso pode ser escalonado para diversos outros eventos ou empresas. “Estamos nessa lógica de ajudar organizações que se projetam. Algumas para treinar e preparar seus colaboradores e outras para influenciar seus mercados e ainda aumentar fontes de receita”, salientou Harraca, que também diz ser “uma eterna aprendiz”. Que tem mais ensinado. E gerado resultado.