O mundo entrou em 2025 diferente. Do retorno de Donald Trump à Casa Branca e da crescente tensão com a China às resoluções pouco claras sobre a economia global, o xadrez internacional começou o ano com uma partida de baixa previsibilidade nas movimentações das peças no tabuleiro. Mas todo bom jogador sabe que, quando não há como prever o movimento do adversário, a melhor solução é estudar a posição das próprias peças e reforçar a análise das regras universais da mesa. E, nesse aspecto, o Brasil pode vacilar. A entrada em vigor das novas determinações tributárias, somada às incertezas sobre sua aplicação e período de transição, pode se tornar um grande problema para as empresas e impactar diretamente a capacidade do país de competir melhor no comércio global.
Pelo menos é essa a visão de Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, que tem mais de 40 anos de experiência nas áreas jurídica, contábil, fiscal e tributária. Ele entende que as novas regras podem causar bitributação no período de adaptação e onerar ainda mais as empresas. Além disso, o excesso de burocracia pode travar o avanço de novos negócios e dificultar o bom andamento da economia. Para ele, o argumento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ainda está mais pautado no plano das ideias do que na racionalidade e na lógica, e isso fere diretamente outra regra universal do xadrez: não entre na partida se não foi você quem desenhou a estratégia.
BRAZIL ECONOMY – como o senhor entendeu a versão final da reforma tributária que foi desenhada no Congresso?
GILBERTO LUIZ DO AMARAL – Foi um intenso processo político que requereu muita atenção e atuação dos profissionais ligados à tributação, tanto do setor privado quanto do setor público, tentando conciliar interesses muitas vezes conflitantes entre o contribuinte e o fisco. Há muitos pontos de alerta, principalmente para contribuintes e empresas, pois a implementação da reforma tributária fará com que vários segmentos paguem muito mais tributos do que hoje.
Na sua avaliação, a reforma será positiva? Ela realmente elimina alguns gargalos do sistema tributário brasileiro?
Tenho uma visão crítica do resultado da reforma tributária. Ela fará com que a sociedade brasileira conviva por vários anos com dois sistemas tributários, aumentando, nesse período, a burocracia. Parece que nos ofereceram o céu, sem nos alertar que viveremos alguns anos no purgatório.
A reforma tributária, que já exige algum nível de preparação das empresas, está na pauta do momento. O IBPT está planejando ações ou estudos específicos para auxiliar os empresários?
O IBPT participa ativamente das discussões sobre a reforma tributária desde 1995, fazendo propostas para o seu aperfeiçoamento. Já elaboramos mais de 50 estudos sobre o tema. Para 2025, já temos contratados mais de sete estudos sobre os impactos da reforma em diversos setores da economia brasileira.
Há na reforma a justiça tributária que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tanto prega?
O ministro tem trabalhado e se esforçado muito para comprovar que a reforma tributária será um instrumento de justiça tributária, o que é elogiável por sua determinação. Mas ainda não estou convencido disso.
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O setor de serviços terá uma incidência maior de alíquota. Como o senhor enxerga essa mudança, considerando que o setor é hoje o maior empregador do Brasil?
O setor de serviços será o mais prejudicado pela reforma tributária, com uma enorme elevação da carga tributária. No entanto, ainda há tempo para fazer alguns ajustes e diminuir esse impacto.
No caso da indústria, o cenário é oposto. Além dos incentivos do governo para investimento, há a perspectiva de redução na incidência de impostos. Isso pode aliviar as contas dos empresários da cadeia produtiva?
A indústria e o setor financeiro são os mais beneficiados pelas mudanças. Mas ainda é cedo para dizer se isso será suficiente para aumentar a competitividade industrial.
Qual é hoje o maior absurdo do sistema tributário brasileiro, na sua opinião?
A multi-incidência tributária sobre um mesmo fato econômico. Ou seja, vários tributos incidem ao mesmo tempo sobre os mesmos fatos geradores, como PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI. A reforma tributária diminui essa distorção, mas não a elimina, ao substituir parte desses tributos pela CBS, IBS e pelo Imposto Seletivo.
Se compararmos com outros países, qual modelo se assemelha ao que o Brasil adotará?
Há muitas semelhanças com os sistemas tributários de países europeus, como França e Alemanha, e asiáticos, como Coreia do Sul e Japão.
Considerando o longo período de transição, é possível que as normas tributárias estejam parcialmente defasadas quando o novo sistema estiver em plena operação?
Sim. A longa transição carrega esse risco, pois as regras podem mudar antes mesmo da sua concretização plena. Vale lembrar que, antes da vigência total do novo sistema, o Brasil terá duas eleições presidenciais, em 2026 e 2030. Dependendo do perfil dos novos mandatários e da composição do Congresso Nacional, pode haver mudanças nas regras.
No comércio internacional, o senhor acredita que as novas regras melhorarão o ambiente de negócios?
Durante o período de transição, haverá ainda mais dificuldades para os outros países entenderem o nosso sistema tributário e seu real impacto no comércio exterior. Após a transição, o modelo será mais compreensível.
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Para estados e municípios, a reforma tributária impactará as contas públicas, tanto em termos financeiros quanto de gestão e planejamento?
Estados e municípios foram bem contemplados no novo modelo tributário, com baixo impacto em suas finanças.
Qual dica o senhor daria a um empresário do setor de serviços que quer se preparar para as mudanças?
O ano de 2025 será crucial para a preparação legislativa e operacional do novo sistema, que entrará em vigor gradualmente a partir de 2026. Os empresários devem contar com bons profissionais para acompanhar essas mudanças desde o início.
E para um gestor municipal?
O foco deve estar no controle da arrecadação e nas ações para coibir a sonegação fiscal, que tende a aumentar no período de transição.
Se pudesse mudar uma coisa na reforma tributária, o que seria?
Encurtar o período de transição, para que a reforma entre plenamente em vigor já em 2027.
Há algum grande acerto no texto?
A preocupação em simplificar o sistema tributário e reduzir o número de tributos.
Como avalia o desempenho de Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária?
Apesar de eu discordar da premissa de que a reforma tributária não deve reduzir a carga tributária, parabenizo Bernard Appy pelo seu trabalho, competência, perseverança e resiliência na tentativa de modificar o sistema tributário em prol do desenvolvimento nacional.
Os problemas do texto vieram do Executivo ou do Legislativo?
O Executivo focou mais na arrecadação do que na justiça tributária, enquanto o Legislativo atuou para reduzir impactos sobre setores específicos, o que resultou em uma alíquota padrão mais alta.Este ano será essencial para avaliar ajustes necessários.
O IBPT completou recentemente 32 anos. Qual sua avaliação sobre essa trajetória?
Desde a sua fundação, o IBPT sempre esteve na vanguarda das discussões tributárias, elaborando mais de 200 estudos para diversos setores da economia brasileira. Mantivemos nosso propósito inicial e ampliamos nossas atividades ao longo dos anos.