Soft Power e o filme Ainda Estou Aqui: entenda a relação entre eles

As estratégias adotadas pelo Brasil e pela Coreia do Sul para o fortalecimento da cultura, apesar de contextos e resultados distintos, compartilham pontos em comum

Patrícia Loyola*
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Imagens: Divulgação

Patrícia Loyola defende a cultura como um poder de influência

Patrícia Loyola defende a cultura como um poder de influência

A presença de Ainda Estou Aqui no Oscar 2025 é poderosa em diversas camadas. Além de elevar a visibilidade internacional de nossos artistas e cineastas, um triunfo na principal premiação do cinema mundial pode impulsionar o setor cultural no Brasil, inspirando novos projetos, atraindo investimentos públicos e privados e ampliando o fomento às artes.

A indicação do filme brasileiro traz à tona a relevância dessa discussão. Esse reconhecimento pode transformar a cultura nacional. Inicialmente, é fundamental compreender o papel estratégico do Estado no fomento à cultura e os benefícios que esse tipo de investimento pode trazer para um país. Investir em cultura é impulsionar o desenvolvimento econômico, social e geopolítico. Especialistas chamam essa prática de soft power.

Trata-se de uma estratégia que utiliza, entre outras coisas, o poder de influência de uma nação por meio da cultura. A Coreia do Sul é um bom exemplo. Durante a recessão econômica dos anos 1990, o governo sul-coreano adotou políticas inovadoras para mitigar os impactos econômicos, incluindo um forte investimento em cultura. A Coreia criou um departamento no Ministério da Cultura dedicado ao K-pop, que, em tradução livre, significa música popular coreana. O governo implementou programas de proteção à indústria musical, construiu grandes estádios e incentivou a popularização do karaokê, entre outras iniciativas.

O K-pop se tornou um fenômeno global. Estima-se que, em 2024, tenha movimentado cerca de US$ 1,5 trilhão. Além do retorno financeiro, o investimento em cultura trouxe ao país asiático um aumento significativo de influência internacional. O K-pop despertou o interesse mundial não só pela música do país, mas também pela moda, gastronomia, turismo e, em suma, pela cultura coreana.

A Hallyu, ou “Onda Coreana”, é um exemplo bem-sucedido de como a colaboração estratégica entre o governo sul-coreano e a iniciativa privada pode transformar a cultura em um poderoso motor de desenvolvimento econômico e influência global. Esse movimento consolidou a Coreia do Sul como uma potência cultural.

O governo sul-coreano adotou políticas para incentivar a exportação cultural como estratégia de desenvolvimento. Iniciativas como a Lei Básica para a Promoção da Indústria Cultural, promulgada em 1999, alocaram mais de US$ 140 milhões para a expansão da área, enquanto a criação da Agência de Promoção de Conteúdo Cultural Coreana, em 2001, visou impulsionar a produção e exportação de conteúdos diversos. Nesse contexto, empresas privadas desempenharam um papel central, tanto no financiamento quanto na execução de iniciativas culturais. Os números reforçam o impacto dessa parceria.

De acordo com o Instituto de Pesquisas Hyundai, o BTS, uma das boybands mais famosas do mundo, contribuiu com cerca de US$ 29 bilhões para a economia sul-coreana entre 2014 e 2023, incluindo setores como turismo, merchandising e vendas de produtos. Em 2018, o K-pop movimentou aproximadamente US$ 5 bilhões, sendo que o BTS representou sozinho 72% desse montante.

As estratégias do Brasil e da Coreia do Sul para o fortalecimento da cultura, apesar de contextos e resultados distintos, compartilham pontos em comum. Os países reconhecem o papel fundamental do Estado no fomento à cultura e estabeleceram marcos legais para apoiá-la. Outra semelhança é o incentivo à produção audiovisual, evidenciado pelos subsídios coreanos para a área e pelo Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) no Brasil, que apoiam suas indústrias cinematográficas.

No entanto, há diferenças significativas. A Coreia realizou investimentos massivos e contínuos ao longo de décadas. Já o Brasil enfrenta descontinuidade em políticas culturais e instabilidade no financiamento. A parceria entre governo e iniciativa privada também é mais estruturada na Coreia, onde os conglomerados empresariais controlados por uma mesma família (chaebols) desempenham um papel central no desenvolvimento da indústria cultural. No Brasil, o setor cultural depende majoritariamente de incentivos públicos, com menor aporte do setor privado.

Mas o cenário pode mudar. Historicamente, o setor cultural tem se destacado no investimento social corporativo brasileiro. Uma pesquisa da Rede BISC (Benchmarking do Investimento Social Corporativo), da Comunitas, revela que, entre 2017 e 2023, foram destinados aproximadamente R$ 3,3 bilhões a projetos de arte e cultura, com destaque para iniciativas viabilizadas pela Lei Rouanet. O mecanismo legal, em funcionamento sem interrupção há mais de 30 anos, tem se consolidado como uma ferramenta imprescindível para o fomento da cultura no Brasil, captando, segundo o Ministério da Cultura, mais de R$ 31 bilhões e beneficiando cerca de 75 mil projetos desde sua criação, em 1991.

Em 2024, a Lei Rouanet encerrou o ano com um valor recorde de recursos, totalizando R$ 2,97 bilhões aplicados em projetos de todo o Brasil. O valor é expressivo, mas poderia ser ainda maior. Um estudo realizado pela plataforma Prosas, que analisou dados de dedução fiscal de mais de 16.500 empresas em 2023, identificou um potencial de crescimento de mais de R$ 1,3 bilhão, distribuídos entre mais de 10 mil empresas que não utilizaram a totalidade do seu potencial de investimento.

Investir em soft power é uma estratégia de longo prazo. Porém, é inegável que os resultados podem transformar a percepção de um país no cenário global. No caso da Coreia do Sul, décadas de investimento coordenado entre governo e iniciativa privada resultaram na consolidação da K-culture como um dos maiores fenômenos culturais da contemporaneidade. O Brasil pode e deve seguir o mesmo caminho. Esperamos!

*Patrícia Loyola é diretora de gestão e investimento social da Comunitas

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