Recuperação judicial crescerá em 2025, mas seguirá abaixo de 0,05%

País bate recorde no número de pedidos de RJ, mas ainda é um número pequeno diante dos 7,2 milhões de CNPJs travados para transações financeiras

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Imagens: Freepikk

Recuperação judicial

Adesão de empresas a mecanismos de suporte no Brasil ainda é muito baixa

Há uma dicotomia na estrutura financeira das empresas brasileiras. Por um lado, 2025 começou com 51,8 milhões de contas de pessoas jurídicas negativadas, em um universo de mais de 7,2 milhões de CNPJs travados para transações por problemas financeiros. Por outro, há uma baixíssima aderência a ferramentas legais, como a recuperação judicial, para reversão do status de má pagadora. Segundo a Serasa Experian, o recorde no número de pedidos de RJ no ano passado reflete as dificuldades enfrentadas pelos empresários para sanar suas dívidas, e o ritmo deve continuar em alta este ano.

Mas, se há tantos problemas de insolvência na cadeia produtiva brasileira, o que explica tão poucas empresas recorrerem à ferramenta legal? As respostas são muitas. Primeiro, a taxa de conversão positiva das RJs gira em torno de 25% no Brasil, número abaixo dos 35% nos Estados Unidos e dos 60% em alguns países da Europa. Além disso, há dificuldades impostas pelo próprio processo legal brasileiro, que hoje se concentra mais na quitação dos débitos do que na reestruturação da empresa a médio e longo prazo. Soma-se a isso o desconhecimento da ferramenta e o processo burocrático prolongado para adesão, o que exclui milhões de empreendedores de pequeno e médio porte dessa alternativa.

Para Daniel Báril, coordenador da área de Insolvência e Reestruturação do Silveiro Advogados, é preocupante que, no atual momento de dificuldades econômicas, as empresas brasileiras estejam enfrentando obstáculos para sair da crise. “Não me preocupa o aumento no número de pedidos de recuperação judicial; o que me preocupa é que elas estejam cada vez mais insolventes e não tenham, por sua vez, caminhos jurídicos e negociais para encontrar uma saída e voltar a um estado de solvência”, disse.

Atualmente, a reestruturação financeira, conforme previsto na Lei 11.101/2005, oferece três caminhos aos empresários: a recuperação extrajudicial, a recuperação judicial e a falência. Fora isso, as soluções menos indicadas incluem deixar as empresas fecharem, realizar ginásticas financeiras para cobrir os déficits ou, à margem da lei, buscar soluções que envolvam mudanças de CNPJ.

Segundo o Indicador de Falência e Recuperação Judicial da Serasa Experian, no ano passado foram registrados 2.273 pedidos de recuperação judicial. Esse foi o índice mais alto desde o início da série histórica, em 2005, representando um aumento de 61,8% em relação a 2023. Para a economista da Serasa Experian, Camila Abdelmalack, embora a economia tenha crescido no ano passado, o maior entrave ainda é a taxa de juros. “É uma condição bastante restritiva para a atividade”, afirmou.

Daniel Baril | Brazil Economy
Daniel Báril, coordenador da área de Insolvência e Reestruturação do Silveiro Advogados


Na análise por porte, as micro e pequenas empresas puxaram a alta das solicitações, registrando 1.676 requerimentos — um aumento de 78,4% em relação a 2023. Em seguida, vieram as médias e grandes empresas, com 416 (alta de 25,6%) e 181 (crescimento de 34%), respectivamente. O setor de serviços liderou os pedidos de recuperação judicial.

Para Carlos Beltrão Filho, advogado especialista em processos de insolvência e que integrou a equipe jurídica da Varig à época de sua falência, a implementação da reforma tributária e o aumento da carga tributária para o setor podem dificultar ainda mais a sobrevivência dessas companhias. Para sustentar essa previsão, ele elaborou um estudo de caso, enviado ao Senado, apresentando diferentes cenários. No mais crítico, o aumento dos impostos, aliado à atual curva de juros, poderia elevar em 65% os gastos tributários e compromissos bancários de uma empresa de médio porte no setor de serviços, tornando inviável a operação de pelo menos 33% dessas companhias.

Alternativa de financiamentos

Dentro do universo das empresas em recuperação judicial, a legislação brasileira passou, em 2020, a permitir uma nova forma de captação de financiamento. Chamado de DIP Financing (Debtor-in-Possession Financing), o mecanismo possibilita que essas empresas obtenham financiamento prioritário para viabilizar sua reestruturação. Originário do direito norte-americano, especialmente no contexto do Chapter 11 do Bankruptcy Code, sua aplicação no Brasil enfrenta desafios decorrentes das diferenças entre os sistemas jurídicos de Common Law e Civil Law, além de especificidades da legislação nacional.

Nos Estados Unidos, a criação de um ambiente favorável à recuperação de empresas começou em 1918, durante uma grave crise na indústria, especialmente no setor ferroviário, que havia sido amplamente financiado por bancos e estava à beira do colapso. A ideia de apoiar a recuperação de empresas, no entanto, remonta ao século XIX, no contexto da crise das ferrovias. Foi na década de 1930 que se estabeleceram as bases do modelo adotado pelos norte-americanos desde então. Hoje, o DIP Financing está previsto no artigo 11 do Código de Falências dos EUA.

No Brasil, a modalidade ganhou contornos com a Lei 14.112/20, sancionada na esteira dos desafios econômicos da pandemia. Pela legislação, o devedor em recuperação pode obter novos financiamentos, com garantias e privilégios específicos, desde que aprovados pelo juízo competente.O jurista norte-americano Jed Rubenfeld, professor da Universidade de Yale e especialista em Bankruptcy Code, analisou o caso brasileiro na época da aprovação da nova legislação. Segundo ele, países emergentes tratam a recuperação judicial como um processo focado apenas na quitação de dívidas. “A baixa taxa de sucesso na conversão no Brasil mostra que o interesse não é a saúde da empresa, mas a quitação das dívidas”, afirmou.

Rubenfeld destaca que é essencial que potenciais financiadores via DIP Financing participem do processo de recuperação judicial desde o início, influenciando as decisões estratégicas em busca de soluções rentáveis. “No Brasil, essa figura pode surgir a qualquer momento da RJ e, muitas vezes, atravessa toda a recuperação sem um financiador ativo”, observou.

Outro ponto crítico são as garantias. O juiz da recuperação pode autorizar a venda de ativos da empresa para quitar débitos, o que inviabiliza o uso desses bens como garantia para obtenção do DIP Financing. Além disso, a utilização de ativos de terceiros ou da pessoa física do empresário para garantir novos créditos ainda não está totalmente esclarecida na legislação, e se torna mais uma pedra no sapato para o empresário que já está com a água no pescoço.

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