Victor Hespanha mudou sua vida em junho de 2022, quando viveu a experiência de atingir a zona suborbital da Terra em um foguete da Blue Origin, do bilionário Jeff Bezos. Naquele momento, o engenheiro civil tornou-se o primeiro turista espacial brasileiro. O período de preparação para a missão turística e a sensação “indescritível” dos 10 minutos entre a decolagem e a aterrissagem abriram a mente do mineiro, nascido em Belo Horizonte, para os negócios. Ele observou bilhões de dólares sendo investidos em projetos aeroespaciais, enquanto seu país ainda está longe de ocupar uma posição de destaque no setor.
Hoje, dois anos e meio depois, Hespanha está envolvido na startup Psyche Aerospace, da qual é cofundador, e busca um aporte de US$ 60 milhões de investidores para produzir em escala o maior drone de pulverização agrícola do mundo, que sua empresa já construiu em tempo recorde.
“Nós enxergamos oportunidades não só no drone, mas também na integração de outros hardwares para trabalhar nesse conceito de conectividade do campo e entregar uma solução que seja melhor para o produtor e para toda a cadeia do agronegócio brasileiro”, disse Hespanha ao BRAZIL ECONOMY.
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Atualmente, a Psyche possui 10 drones construídos e tem feito testes em lavouras de soja no Mato Grosso para obter as licenças necessárias para começar a operar comercialmente. O escritório e o centro de pesquisas de Inteligência Artificial da empresa ficam em Campinas (SP), há um galpão de construção em São José dos Campos e, em breve, estará em funcionamento um hub de inovação em território mato-grossense.
Com o aporte que a startup tem buscado, a intenção é produzir de 500 a 1.000 drones por ano e disseminar a tecnologia pelo agronegócio brasileiro. O campo de exploração da Psyche é imenso. A área de cultivo agrícola no Brasil é de 61 milhões de hectares, segundo dados da MapBiomas.
O trunfo da Psyche está em oferecer alta tecnologia para otimizar a produtividade, ao mesmo tempo em que barateia os serviços. Pretende atender desde pequenos produtores até os gigantes do segmento. “A tecnologia é democrática”, frisou Leal.
A intenção é substituir máquinas terrestres ou trabalhadores que ficam com o tanque de defensivos agrícolas nas costas, jorrando o produto químico na plantação, por uma solução mais eficaz, segundo o CEO da startup, Gabriel Leal.
“E tudo isso custando cerca de R$ 100 por hectare. A gente está chegando para dar a mão ao produtor e entregar o que existe de mais tecnológico no mundo no setor aeroespacial, por um valor bem mais acessível”, disse o jovem autodidata de 24 anos, ao ressaltar que será necessário “criar uma nova cultura de negócios no Brasil”, devido ao fato de o agricultor brasileiro ser, ao mesmo tempo, conservador e arrojado, na avaliação dele.
“Ele é arrojado porque atua mesmo sabendo que está em uma atividade que perde 20% do investimento na largada, pois depende de muitas situações que ele não controla. E conservador porque é avesso ao risco. Mas ele está exposto ao risco o tempo todo”, analisou Leal.
Além de drones, a Psyche constrói estação de reabastecimento e softwares
Além dos drones, no modelo Harpia P-71, de grande porte, capaz de cobrir até 40 hectares por hora com alta precisão, a Psyche também fabrica o que foi denominado de Beluga, uma estação de reabastecimento móvel que permite operações contínuas.
A empresa também acabou de lançar sua IA proprietária, chamada Turing, uma espécie de “ChatGPT do agro”. A iniciativa reúne dezenas de PhDs que desenvolvem soluções de machine learning, robótica, IoT, biotecnologia e nanotecnologia, tudo voltado à otimização das operações agrícolas.
Os drones pulverizadores autônomos e outros equipamentos geram dados que podem ser processados pela plataforma Turing, como informações de solo, clima, estresse hídrico, deficiências nutricionais da terra, da plantação, pragas e outros elementos. Isso possibilita análises mais completas e permite intervenções antecipadas e personalizadas a cada propriedade.
Como tudo começou?
Oriundo do município baiano de Livramento de Nossa Senhora, Gabriel Leal assistiu ao vivo ao lançamento do foguete que levou Victor Hespanha para o espaço. Entusiasta das questões aeroespaciais e com uma veia empreendedora inata, resolveu mandar um e-mail para aquele que acabara de se tornar o primeiro turista espacial brasileiro.
A mensagem era uma proposta para unir forças e criar algo relevante para o Brasil nesse setor, após conversar com cerca de 600 engenheiros que declinaram de uma parceria com ele. Mas Hespanha aceitou. “Foi o match ideal. O Gabriel era uma das poucas pessoas visionárias que entendiam esse movimento e que tinha o capital intelectual para conduzir esse tipo de projeto”, disse Hespanha.
Criaram a Psyche Aerospace em setembro de 2022. O business plan do projeto foi aprovado para atuar no Parque de Inovação Tecnológica de São José dos Campos. Começaram online porque não tinham condições de bancar o aluguel da sala, de R$ 700. Depois, com dinheiro emprestado, iniciaram os trabalhos em um espaço de 20 m² no Parque Tecnológico. Em seguida, com a ajuda de um diretor de manufatura, que inclusive ofereceu sua chácara para os primeiros testes, deram o pontapé para o primeiro protótipo.
Trabalhando quase 20 horas por dia e dormindo na chácara por 10 dias, montaram um motor e a parte eletrônica de forma extremamente artesanal. O dinheiro era escasso. Hespanha, que havia visitado o espaço, via naquele momento um projeto praticamente no buraco.
Até que receberam o primeiro investimento de R$ 4 milhões, que deu fôlego à Psyche. De uma salinha, foram para um galpão de 1,5 mil m², com o desafio de fazer o drone voar. Era novembro de 2023. “A gente não aprendeu a voar, a gente aprendeu a capotar. Caímos umas 80 vezes. Perdemos uns 70 protótipos”, lembrou Leal.
Na base da tentativa e erro, fizeram o drone voar em 6 de março de 2024. Voou, mas não aterrissou. Caiu. Foi nesse momento que conseguiram uma rodada de investimento Série A no valor de R$ 15 milhões (de uma pessoa física que prefere não se identificar). Na sequência, mais R$ 12 milhões da mesma fonte. Em agosto de 2024, fizeram o voo manual e pousaram o drone com sucesso, quase dois anos depois da abertura da startup.
O próximo passo não demorou muito. O voo 100% autônomo ocorreu dois meses depois, em dezembro. E, desde janeiro deste ano, os drones da Psyche já pulverizam plantações no Mato Grosso.