Marcus Vinicius Gonçalves passou a semana passada inteira no Brasil. Há dez anos, ele mora em Miami (EUA), atuando pela gestora americana Franklin Templeton, que tem sob sua gestão US$ 1,6 trilhão. O economista é diretor comercial para o Brasil e a divisão offshore Américas, responsável pelas contas de investidores não residentes nos Estados Unidos. É o primeiro brasileiro a ocupar esse cargo na companhia. A passagem pelo Brasil foi para alinhar estratégias com os parceiros, especialmente instituições financeiras. Entre as dezenas de compromissos, recebeu o BRAZIL ECONOMY para falar sobre o mercado de capitais, os atrativos do País e como os investidores estrangeiros estão enxergando o Brasil neste momento. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
BRAZIL ECONOMY – Como o Brasil está posicionado no cenário de investimentos aos olhos internacionais?
MARCUS VINICIUS GONÇALVES – A América Latina, em geral, tem sofrido muito por falta de relevância na parte de ações. Quando se analisa o mercado de capitais e, sobretudo, a bolsa e o mercado acionário, o tamanho da região diminuiu em comparação à Ásia nos índices de mercados emergentes. A China, mas também a Coreia e outros países asiáticos, ganharam muita participação relativa. O Brasil perdeu, o México perdeu, Chile e Argentina nem se fala. Então, estamos em uma luta para voltar a ser relevantes.
O que é necessário para isso acontecer?
Uma das coisas fundamentais são regras claras. A percepção lá fora, que pode ser equivocada ou não, é de que 90% do noticiário sobre o Brasil é negativo. Muitos temas estão relacionados ao desmatamento e à corrupção, ou seja, as manchetes são, em geral, desfavoráveis. Além disso, há uma preocupação com mudanças na tributação e com a segurança jurídica, que os investidores chamam de rule of law (Estado de Direito). Eles têm muita insegurança e querem enviar dinheiro para o País com a certeza de que poderão retirá-lo quando necessário. Nesse aspecto, acredito que o Brasil ainda precisa avançar um pouco mais.
O senhor observa algum movimento para reverter esse quadro?
Sim, há um esforço considerável por parte da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e até do Tesouro Nacional para atrair capital estrangeiro. Existem muitas discussões dentro dos órgãos de política econômica para viabilizar essa captação. No entanto, a comunicação ainda é muito falha. Na Receita Federal, por exemplo, há uma burocracia excessiva, e os contribuintes não têm muita clareza sobre as regras. O foco na arrecadação muitas vezes atrapalha a atração de investimentos, e isso independe do governo no poder.
Mas o Brasil já foi mais atrativo…
Pelo menos nos últimos cinco anos, não foi transmitida uma mensagem positiva sobre o País. Houve períodos favoráveis em que investidores ganharam dinheiro, mas o Brasil não tem sido uma alocação estratégica. Hoje, os investidores o enxergam muito mais como uma oportunidade pontual do que como um destino de longo prazo. Por exemplo, há investimentos em energia eólica aqui, mas não necessariamente com um horizonte estendido. Além disso, há dificuldade para convencer os investidores de que o câmbio será sustentável. É complicado fazer hedge em operações de sete ou dez anos, o que expõe o investidor ao risco cambial.
O câmbio mais instável agrava essa situação?
Sim, e a preocupação fiscal também pesa. Houve um alívio recentemente, mas no ano passado, quando o dólar bateu R$ 6,20, falou-se muito sobre dominância fiscal e a sustentabilidade da dívida no longo prazo. Esse não é um problema exclusivo do Brasil. Nos Estados Unidos, há discussões semelhantes sobre sustentabilidade da dívida pública. O que se espera é sempre uma sinalização positiva de que o Brasil manterá a disciplina fiscal, permitirá que o setor privado prospere e favorecerá o empreendedorismo, o mercado de capitais e o tomador de risco.
Os juros altos têm impacto significativo nesse cenário?
Sem dúvida. A longo prazo, eles dificultam o financiamento de praticamente tudo. Hoje, qualquer financiamento é feito essencialmente por dívida, o que é pouco produtivo e não dinamiza a economia. Falta profundidade ao mercado, pois tudo se resume a prazos curtos. Estamos sempre correndo uma prova de 100 metros, nunca participamos de maratonas. Por isso, a infraestrutura sofre tanto no Brasil. Como o setor público precisa financiar projetos, mas enfrenta restrições fiscais, há um estrangulamento estrutural enorme.
Os fundos verdes estão atraindo investimentos no Brasil?
O Brasil tem uma boa reputação nesse aspecto. Apesar do histórico de desmatamento, a percepção internacional tem melhorado. A matriz energética brasileira, com forte presença de hidrelétricas, energia solar e outras fontes renováveis, é um diferencial positivo. No entanto, o tema ESG perdeu relevância nos Estados Unidos após a eleição de Donald Trump, o que repercutiu globalmente. Na Europa, o interesse continua alto, e os investidores europeus ainda olham o Brasil com bons olhos nesse sentido.
O Brasil deveria fortalecer laços com vizinhos para melhorar sua posição global?
Sim, o Brasil precisa buscar mais parceiros comerciais e evitar um isolamento similar ao promovido por Trump nos Estados Unidos. O ideal seria adotar uma postura expansionista, conquistar novos mercados e fortalecer laços com outras economias.
Os investidores americanos ainda mantêm interesse no Brasil?
Sim, e a Franklin Templeton é um exemplo disso. Estamos no Brasil desde 1987, com nosso primeiro escritório no Rio de Janeiro. Consideramos o País estratégico, mas sofremos com mudanças regulatórias. Quando o governo precisa captar recursos para rolar sua dívida, cria incentivos fiscais que favorecem investimentos em títulos públicos, prejudicando os fundos que vendemos.
Mas os investidores têm lucrado com essa dinâmica?
No curto prazo, sim. Os brasileiros adoram títulos isentos de imposto. Muitos investidores de varejo estão comprando esses ativos porque os juros estão altos, com retornos de IPCA + 7% ou 8%. Mas, no longo prazo, isso não é sustentável. Quem pagará essa conta? O governo tem um juro real muito alto, e a economia não cresce nesse ritmo. Isso gera uma preocupação fiscal. A variável de ajuste acaba sendo o câmbio, que pode impactar a inflação futuramente.
A engrenagem da economia brasileira está desalinhada?
Sim. O câmbio flutuante facilita a saída de capital. Além disso, a tecnologia tornou mais fácil enviar dinheiro para o exterior. Hoje, qualquer banco digital permite transferências internacionais instantâneas. Isso alterou a dinâmica do mercado. Curiosamente, nos Estados Unidos, a pessoa física tem movimentado mais a bolsa, enquanto os institucionais estão migrando para investimentos privados, como private equity. No Brasil, ainda não vemos esse dinamismo.
Os juros altos dificultam o desenvolvimento do mercado de capitais?
Muito. No Brasil, surgiram produtos financeiros inovadores devido às necessidades locais, como FIDCs e fundos de precatórios. O mercado é dinâmico e criativo, mas poderia ser mais robusto se os juros fossem estruturalmente mais baixos. Tivemos uma breve janela antes da pandemia, quando os juros caíram para 3%, e isso impulsionou a economia. No entanto, foi um período muito curto. Se essa taxa se mantivesse por mais tempo, poderíamos ter um ciclo virtuoso.
O Brasil ainda está longe de se inserir entre os grandes players do mercado de capitais?
Sim, e um indicativo disso é a baixa presença de bancos estrangeiros no Brasil, com exceção do Santander. No México, por exemplo, a maior parte dos bancos são estrangeiros. O Brasil não tem sido um ambiente amigável para capital externo. Se quiser se inserir no mercado global, precisará atrair mais investimento estrangeiro.
Quais investimentos a Franklin Templeton recomenda no Brasil?
Ainda vemos maior atratividade na renda fixa, devido aos juros elevados. Para investidores que compreendem os riscos, os retornos brasileiros em reais e dólares são bastante interessantes nesse segmento.