O grupo SMZTO, liderado por José Carlos Semenzato, deve fechar 2025 com um marco inédito em sua trajetória: mais de R$ 10 bilhões em vendas na ponta, somando o sell-out das cerca de 5 mil franquias que compõem o ecossistema da holding. O feito ganha ainda mais peso em um ano considerado “duro” pelo empresário, marcado por uma Selic de 15% ao ano, crédito caro e um ambiente em que a renda fixa passou a disputar diretamente o capital do pequeno e médio investidor que tradicionalmente migra para o franchising.
Semenzato lembra que o setor de franquias costuma crescer “na contramão” da economia, historicamente com expansão de dois dígitos mesmo em períodos adversos. Em 2025, porém, o cenário foi menos fluido. De um lado, a Selic elevada remunerou bem as aplicações financeiras e desestimulou parte dos candidatos a franqueado a assumir o risco de um novo negócio, ainda que ancorado em marcas reconhecidas. De outro, encareceu de forma significativa o crédito para o empreendedor que já tem operações bem-sucedidas, mas precisa financiar a abertura de uma segunda ou terceira unidade. Nesse contexto, ele afirma, só “negócios excepcionais, com margens excepcionais” conseguiram acelerar de verdade.
Dentro desse ambiente, o grupo deve encerrar o ano com crescimento em torno de 15%, abaixo do patamar de 20% a 30% anuais que já foi lugar comum no passado recente, mas ainda assim considerado um resultado robusto, compatível com a fotografia do próprio setor. Em anos anteriores, a SMZTO chegou a vender 700 ou 800 franquias em 12 meses; em 2025, se superar a marca de 500 novas unidades, Semenzato classifica o desempenho como “excepcional diante das condições de mercado”.
O resultado, segundo ele, não é fruto de um único negócio, mas da força do portfólio de marcas sob o guarda-chuva da SMZTO e da disciplina das empresas que recebem a chancela do grupo. “Uma franquia que entra no ecossistema chega ao investidor testada, validada e à prova de erros básicos de viabilidade econômica e financeira”, afirmou Semenzato, em entrevista ao BRAZIL ECONOMY. “O filtro é rígido justamente porque o público-alvo é o pequeno e o médio empreendedor, que costuma comprometer boa parte do patrimônio ao apostar em um modelo de franquia.”
Apesar das dificuldades de 2025, Semenzato trabalha com um cenário mais favorável para 2026. A expectativa é de uma trajetória de queda gradual da taxa de juros, inflação mais próxima do centro da meta e o tradicional estímulo adicional à atividade em ano eleitoral, quando há maior injeção de recursos na economia. Com base nessa leitura, os conselhos do grupo vêm aprovando orçamentos que projetam, em média, crescimento de 15% para as marcas da casa no próximo ano. Para o franchising, ele argumenta, esse é um número “muito bom”, sobretudo se comparado a 2025, que deve encerrar praticamente nesse mesmo patamar.
COM FOCO NA EXPANSÃO
Dentro desse conjunto, a rede de óticas Q Óculos desponta como uma das apostas de maior crescimento relativo nos próximos anos, ainda que tenha um peso bem menor na fotografia global dos R$ 10 bilhões de sell-out. A marca, que acaba de formalizar sua entrada na SMZTO após dois anos de conversas, opera hoje com cerca de 120 lojas em funcionamento e algo entre 30 e 40 unidades em implantação, o que leva a um “estoque” aproximado de 150 franquias já comercializadas. A meta alinhavada entre os sócios é atingir 400 pontos de venda até o fim de 2027, o que, na prática, representa quase triplicar o tamanho da rede em dois a três anos.
Para 2025, a Q Óculos projeta faturamento de aproximadamente R$ 120 milhões. A estratégia de crescimento prevê inaugurações médias de 8 a 10 lojas por mês, ritmo que permitiria cumprir a meta de 400 unidades no prazo estabelecido. A rede já está presente em 17 estados e tem planos de cobrir toda a federação, com concentração natural mais forte no Sudeste, onde a renda média é mais elevada e o consumo é maior, mas com apetite declarado também por praças do Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O desenho do negócio busca se apoiar em dois pilares: a democratização do acesso a óculos e lentes de alta tecnologia para a população de renda média e média-baixa e o uso intensivo do ecossistema de franqueados da SMZTO como alavanca de expansão. Semenzato enxerga no mercado ótico uma oportunidade semelhante à que encontrou quando apostou na Odonto Company, hoje com mais de 1,2 mil unidades no país. Em ambos os casos, há uma demanda reprimida: milhões de brasileiros precisam de serviços de saúde visual e tratamentos com lentes de maior qualidade, mas se veem afastados pelos preços praticados por grandes redes e por produtos de tecnologia mais avançada.
Na prática, a Q Óculos já opera em shoppings e áreas de classe média e média alta, oferecendo lentes e armações de marcas globais. O que falta, na avaliação dos executivos, é aprofundar a oferta de linhas com melhor relação custo-benefício para atingir de forma mais agressiva o público de classe média e média-baixa, sem abrir mão da qualidade. “A criação de uma marca própria de lentes e armações está no radar como uma possibilidade para destravar essa equação, embora ainda não esteja formalizada como uma decisão definitiva”, afirmou.
O CEO da Q Óculos, Neto Santana, tem conduzido uma agenda intensa de visitas a fábricas e fornecedores para mapear acordos que permitam ganhar escala, barganhar preços e, ao mesmo tempo, manter padrões tecnológicos elevados. “Do ponto de vista do investidor, o modelo proposto pela Q Óculos chama atenção em um mercado onde a renda fixa rende 15% ao ano. O investimento médio por loja varia entre R$ 200 mil e R$ 400 mil, com um exemplo típico de operação que exige cerca de R$ 250 mil em Capex inicial para alcançar faturamento mensal de R$ 120 mil”, disse.
Sobre essa receita, a margem líquida projetada oscila de 15% a 25%, com uma média de 20%, o que se traduz em aproximadamente R$ 24 mil de lucro por mês na maturidade da operação. Considerando um período de ramp-up de quatro a seis meses até o ponto de equilíbrio, o payback estimado varia entre 18 e 24 meses.
Na comparação feita por Semenzato, se um investidor aplicar R$ 250 mil em uma aplicação financeira com retorno de 12% ao ano, receberá cerca de R$ 60 mil em juros ao fim de dois anos. Na franquia de ótica, uma unidade estabilizada poderia gerar de R$ 360 mil a mais de R$ 400 mil em lucro líquido no mesmo intervalo, dependendo do desempenho de vendas e da margem efetiva. Mesmo com o risco inerente a qualquer negócio, atrasos na maturação do ponto ou diferenças regionais de consumo, a taxa interna de retorno permanece múltiplas vezes superior à da renda fixa. Nas contas do empresário, a rentabilidade mensal de uma unidade bem operada pode ficar em torno de 8% sobre o capital investido após a fase de ramp-up.
Esses números ajudam a explicar por que cerca de 10% da rede já está em segunda ou terceira unidade e por que já existem franqueados com cinco lojas Q Óculos. A base instalada da SMZTO, com aproximadamente 3,5 mil franqueados em diferentes marcas, também funciona como um pipeline natural de expansão: donos de franquias de odontologia, varejo de saúde, bem-estar ou economia circular tendem a buscar diversificação, e a ótica surge como uma alternativa de investimento com tíquete relativamente baixo e alta recorrência de consumo.
Para Semenzato, os próximos anos devem consolidar dois movimentos simultâneos. De um lado, o grupo SMZTO tende a se beneficiar de um ambiente macroeconômico menos hostil, com juros mais baixos e consumo um pouco mais aquecido, o que pode elevar a régua de crescimento além dos 15% projetados para 2026 e, eventualmente, abrir espaço para voltar ao patamar de 20% a 30% em horizontes mais longos. De outro, marcas como a Q Óculos devem destoar positivamente dentro do portfólio ao crescerem em ritmo bem acima da média, sustentadas por um mercado de saúde visual aquecido, investimento inicial acessível e uma tese de democratização que repete, em outro segmento, o modelo que transformou a Odonto Company em um dos maiores cases do franchising brasileiro.
No centro dessa engrenagem, a marca dos R$ 10 bilhões em sell-out alcançada neste ano atua como um selo de escala e maturidade do grupo. Ela mostra, na avaliação de Semenzato, que mesmo em um ano em que a renda fixa “concorrente” pagou 15% ao ano e apertou a vida do empreendedor, ainda há espaço para modelos de franquia bem construídos entregarem crescimento, rentabilidade e, sobretudo, negócios capazes de sobreviver ao teste mais duro de todos: o do bolso de quem empreende e de quem consome.

