Aquela ideia aprendida na escola sobre os ciclo econômicos brasileiros durante a colônia, onde o Nordeste monopolizava a cana-de-açúcar, Minas Gerias os minérios e São Paulo o café ficou mesmo no passado. Essa divisão quase aritmética se tornou obsoleta já que todos os estados brasileiros investem em diversas culturas em pleno século XXI, sendo que alguns deles com a capacidade de “roubar” o potencial de outros.
Carlos Eduardo Turchetto Santos foi um dos “descobridores” do fértil solo mineiro para investir em um produto que, até pouco tempo, era praticamente um monopólio paulista e nordestino: a cana-de-açúcar e seus derivados. Atuando como um empresário bem-sucedido do agronegócio paulista, dono da JF Citrus, especializada em produção de laranja, em 2006 ele decidiu expandir seus negócios para Minas Gerais e criou a Companhia Mineira de Açúcar e Álcool (CMAA) para investir em cana-de-açúcar, etanol e açúcar no Triângulo Mineiro, região à oeste de Belo Horizonte.
“Embora nossa história seja tradicionalmente ligada à produção de laranja no interior de São Paulo, entendemos que a sustentabilidade de longo prazo do grupo depende de uma diversificação sólida e estratégica. Outro ponto fundamental é a presença de grandes cidades e centros urbanos estruturados. Isso foi determinante para que pudéssemos levar nossos executivos e formar equipes de alta qualidade, oferecendo a eles e às suas famílias uma infraestrutura completa de educação, saúde, lazer e oportunidades”, afirmou Turchetto que, apesar de ainda viver no interior de São Paulo, atua como CEO da CMAA.
Pode-se dizer que a CMAA foi precursora na transformação econômica do Triângulo Mineiro que até o início dos anos 2000 não tinha a cultura da cana como um de seus carros-chefes. A companhia teve como sua primeira unidade a do Vale do Tijuco, localizada na divisa entre Uberaba e Uberlândia, as duas principais cidades da região, que logo na primeira safra superou expectativas ao moer 1,2 milhão de toneladas de cana.
Em 2013, a companhia buscou capital externo na Ásia e fechou negócio com a IndoFoodResources, uma das maiores produtoras de alimentos da Indonésia, passando a fazer parte da companhia com 50% de participação e garantindo acesso à tecnologias em escala global. Nos anos seguintes, a CMAA adquiriu duas novas unidades: a Vale do Pontal, na cidade de em Limeira do Oeste, e a Canápolis, no município de mesmo nome.
Passados quase 20 anos de sua fundação, a capacidade atual de processamento da CMAA é de 10 milhões de toneladas de cana, de maneira 100% automatizada. Os resultados econômicos refletem o quanto a região é pujante para seus negócios: na safra 2024/25, a receita líquida totalizou R$ 2,8 bilhões, avanço de 10,4% no comparativo com o período anterior. Já na comparação da receita líquida entre as safras 2022/23 e 2023/24, o aumento foi de 16,5%. A perspectiva de investimentos no aumento da produção de cana e derivados é de R$ 3,5 bilhões até 2033.
“Conseguimos não apenas atrair talentos, mas fazer com que criassem raízes na região, o que fortalece nossa cultura e garante continuidade aos projetos. Por tudo isso, o Triângulo Mineiro não foi apenas uma escolha agrícola. Foi uma escolha estratégica, que nos permitiu crescer com segurança, eficiência e, principalmente, com pessoas comprometidas em construir um projeto de longo prazo. É uma região que realmente se tornou muito importante para o nosso grupo”, disse o executivo.
Para ajudar na mão de obra local, em um momento onde o Brasil ainda tinha grandes desafios na automação das colheitas, a questão histórica fez toda a diferença para que a região se tornasse tão pulsante na produção de cana: originada nos férteis solos nordestinos e passada de geração para geração nos últimos séculos, muitos trabalhadores do Nordeste tiveram um papel essencial em “ensinar” aos mineiros como cultivar a cana.
“A partir de 2003, começa um processo de migração de alguns grupos do Nordeste para a região do Triângulo Mineiro, principalmente de Alagoas, já que por lá não tinha mais como crescer devido ao corte manual e plantação em morro. Em seguida, recebemos grupos de São Paulo e de outros países que antes focavam em setores como petróleo e laranja, mas resolveram investir na produção de cana. Sem falar que agora temos o biometano também pedindo passagem”, afirmou Mário Campos, presidente da Associação da Indústria da Bioenergia e do Açúcar de Minas Gerais.
Graças a boa infraestrutura e conforto de suas unidades, o evento de lançamento da safra de cana em Minas Gerais é feita na CMAA, que conta ainda com pista para aviões e um espaço rústico ao bom estilo mineiro, onde convidados usufruem da famosa culinária local. Entre os que já marcaram presença por lá está o atual governador de Minas Gerais, Romeu Zema.
“A cana-de-açúcar é uma cultura com grande estabilidade de demanda, integração industrial relevante e um mercado em constante evolução, seja em açúcar, etanol ou energia. Diversificar para a cana significou ampliar nosso portfólio, reduzir riscos climáticos e de mercado, e ao mesmo tempo aproveitar sinergias operacionais e logísticas. Hoje vemos essa decisão como um passo importante para fortalecer o grupo e preparar o nosso negócio para o futuro”, enfatizou o CEO da CMAA.
Logística privilegiada
Para Carlos Turchetto, o Triângulo Mineiro oferece um conjunto de vantagens logísticas que colocam a região entre as mais promissoras do País para a produção de cana.
“Além das condições naturais já reconhecidas, solos de boa fertilidade, clima favorável e áreas contínuas, existe um fator que sempre pesou muito na nossa decisão: a proximidade com São Paulo. O Triângulo é, de certa forma, uma extensão natural do estado, com uma logística excepcional, tanto rodoviária quanto ferroviária, que facilita o escoamento, reduz custos e garante previsibilidade nas operações”, lembrou o CEO.
Isso fica claro ao chegar em Uberlândia, maior cidade da região, onde se vê enormes condomínios, ruas e avenidas largas, além de um crescimento contínuo no custo de vida local, puxado pelo agronegócio. O caminho de 40 minutos entre o aeroporto até a usina do Vale do Tijuco também evidencia o quanto a logística ajuda nos negócios de quem quer investir em cana no Triângulo Mineiro: rodovias asfaltadas, retas e bem sinalizadas que destoam da imensa maioria das estradas mineiras.
Ao sair da rodovia principal, o caminho de dez minutos por estrada de terra até a usina chama a atenção pelo cuidado que até dispensa o asfalto, apesar do enorme tráfego de carretas transportando cana.
Para Mário Campos, o sucesso da produção de cana e derivados não foi maior por uma eterna dor dos mineiros: o acesso ao mar. “A safra de cana no período 2024 e 2025 foi a maior da história, com 83 milhões de toneladas de cana moídas só em Minas Gerais, sendo que mais de 66 milhões de toneladas foram processadas só no Triângulo Mineiro. O estado só é o segundo maior produtor do Brasil já que São Paulo, que é o primeiro, tem o porto”, disse o presidente da Associação da Indústria da Bioenergia e do Açúcar de Minas Gerais.
Para sanar este problema, a CMAA usufrui de uma linha férrea próxima às usinas que faz ligação direta com o porto de Santos, o maior do Brasil, no litoral de São Paulo.
Mesmo tardio: investimento em sustentabilidade
Até pouco tempo, o setor de cana-de-açúcar no Brasil não adotava práticas voltadas para sustentabilidade. As queimadas eram estratégias comuns feitas por fazendeiros para garantir uma boa condição do solo voltada para a próxima safra, embora fosse uma agressão à fauna e flora, além da emissão de gases nocivos na atmosfera. A CMAA até demorou um pouco para dar atenção a isso, já que sua área de sustentabilidade foi criada apenas em 2020.
Mas, se a iniciativa demorou a acontecer, o trabalho para correr atrás vem dando bons resultados: o alto investimento em tecnologia feito pela companhia também é uma peça-chave na estratégia de evitar aqueles incêndios rurais que tanto eram utilizados no passado, já que o mapeamento 24h feito pela CMAA avisa a todos os proprietários rurais em volta sobre qualquer foco de incêndio, por menor que ele seja. Assim, evita o alastramento desenfreado.
“A gestão dos processos agrícolas e industriais são conduzidos de forma a garantir as práticas sustentáveis no cumprimento de requisitos legais e em linha com os compromissos assumidos na Política de Sustentabilidade. Estes compromissos foram definidos com base na materialidade e gestão de risco do negócio e, portanto, tem como foco principal a geração do impacto positivo ou mitigação de efeitos negativos nas questões sociais e no uso responsável dos recursos naturais”, explicou Geraldo Magela, gerente administrativo da companhia e responsável pela área de ESG.
A companhia estruturou recentemente o Projeto de Irrigação 4.0, para implementar sistemas de irrigação em 27 mil hectares de área agrícola até 2036, por meio de tecnologia, automação e inteligência climática, com o objetivo de garantir estabilidade na produção agrícola, reduzir riscos associados a períodos prolongados de estiagem e ampliar a capacidade de moagem.
“Temos colocado esforços na gestão responsável dos recursos naturais, incluindo a gestão de resíduos, conservação do solo, recuperação de áreas de preservação permanente e o uso responsável da água. Para tanto, temos investido em tecnologias de precisão, para a melhoria dos controles e garantia de práticas que coexistam o aumento de produtividade da produção da cana-de-açúcar e a preservação da biodiversidade”, afirmou Magela.
Atualmente, toda a energia elétrica utilizada na unidade do Vale do Tijuco vem da produção de biomassa a partir do bagaço da cana. O excedente, é vendido para o sistema nacional e ajuda a abastecer diversas cidades vizinhas.
Biometano
O processo de biodigestão de matéria orgânica pela ação de bactérias produz uma das grandes tendências do futuro na descarbonização: o biometano, que pode substituir o diesel e gerar energia elétrica. Ele pode ser extraído de resíduos em geral, inclusive no material orgânico disponível em usinas de cana. De acordo com estimativas da Associação Brasileira do Biogás e do Biometano (Abiogás), o Brasil poderia produzir 57,6 milhões de m³ por dia deste item.
Colada na sede administrativa da usina do Vale do Tijuco, a CMAA já tem o espaço pronto para a implementação de uma planta de produção do biometano. O total de investimento é de R$ 200 milhões e, no momento, o projeto se encontra em fase de licenciamento ambiental.
“A CMAA enxerga o biometano como um eixo estratégico para ampliar a sustentabilidade e a eficiência do negócio. Há mais de quatro anos estudamos sua produção a partir da vinhaça, torta e bagaço. Além do biometano, o digestato será utilizado em nossos canaviais como fonte de nutrientes e insumos biológicos, reduzindo a dependência de fertilizantes minerais e fortalecendo a economia circular. Assim, esses investimentos consolidam nossa estratégia de descarbonização, geração de novos mercados e valorização dos subprodutos da cana-de-açúcar”, disse Alisson Colonhezi, diretor industrial da CMAA.

